J. B. Libanio *
Adital -
Inúmeros paradoxos atravessam a vida humana. Sem eles, nossa humanidade não manifestaria riqueza e complexidade. Uma existência plana, retilínea, sem sobressaltos refletiria antes nossa condição animal que espiritual. A base última de nossos paradoxos funda-se na bipolaridade de finitude e desejos infinitos, de instintos voltados para o particular do prazer imediato e razão feita para o universal, da origem animal e obra de um Criador infinito e todo amor marcando-nos com o sinete divino.
A sociedade do mercado disputa esse ser humano. Acena-lhe com a promessa, nunca realizável, de saciar-lhe a inquietude infinita, atulhando-o de bens. Cada dia se anuncia um avanço na direção da sociedade da plena saciedade. Os bens materiais se multiplicam e se sofisticam, estendendo os braços para número cada vez maior de favorecidos.
Nada soa tão estranho como a carência, a insuficiência, a incompletude. Tal frenesi vai além do campo da pura posse e fruição de bens materiais. Cada tipo de produção, cada instituição, cada segmento da vida humana se arvora em autossuficiente, completo em si mesmo, sem precisar de remate de outro campo.
No mundo acadêmico se fortalece tal espírito de completude disciplinar. Cada saber cria poderoso muro de proteção em relação a qualquer possível intromissão de fora. A comunidade de especialistas desse campo desconhece soberanamente toda palavra vinda de outro lugar humano por julgá-la incompetente e intrusa num espaço fechado e pleno. E, sobretudo que ela não venha da metafísica, que por natureza transgride todos os conceitos e saberes para ir até a raiz última do ser e a partir daí entender o humano.
A ética também não é bem vista. Rege-se por valores que parecem vagos, sem a precisão das pesquisas empíricas, verificáveis, matematizáveis, biologizáveis. Muito menos ainda que a teologia não se intrometa nesse mundo. Lá no século XVII, Galileu já forjara a axiomática afirmação de que a fé cuida de como se vai ao céu, enquanto as ciências tratam de como vai o céu.
E quando, apesar de toda a saciedade intelectual e material que a sociedade promete e julga realizar, o ser humano ainda não conseguir aquietar sua inquietude interior, que fazer? Então vem a depressão.
As estatísticas, talvez exageradas, nos escancaram a realidade dos deprimidos na ordem do bilhão. Quando todos os poros do sensível e da pretensão humana do saber se tapam, parece então que rasgam no seu interior outros tecidos profundos. Explode o paradoxo da insatisfação na saciedade. Qualquer um que esbarrou com Santo Agostinho, inquieto pensador cristão do V século, recorda-se do grito: "Inquieto está meu coração, Senhor, até que descanse em ti!" Nenhum dos descansos criados por nós é Deus. E quando Ele é calado, nalgum lugar explode a angústia humana. Muitos têm lançado mão da química euforizante. Seu efeito, porém, não dura eternamente. E agora, José?
[Confira também de JBLibanio o livro: Em busca de Lucidez. O fiel da balança. São Paulo, Loyola, 2008. www.jblibanio.com.br].
* Padre jesuíta, escritor e teólogo. Ensina na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), em Belo Horizonte, e é vice-pároco em Vespasiano
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