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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

RUBEM ALVES x UNAMUNO Aperitivos...

RUBEM ALVES x UNAMUNO
Aperitivos...

Eu era jovem quando li pela primeira vez o livro Do sentimento Trágico da Vida, de D. Miguel de Unamuno. É um livro que foi escrito com sangue. Por isso ele deixou marcas no meu corpo. Falando sobre os filósofos Guimarães Rosa disse que eles são os assassinos da língua com duas exceções: Soeren Kierkegaard e Miguel de Unamuno... Vão abaixo, para serem degustados, alguns aperitivos do seu pensamento.
Toda religião provém historicamente, do culto aos mortos, isto é, da esperança da imortalidade.
O que existe de mais sagrado num templo é o fato de ser o lugar aonde se vai chorar em comum. Um Miserere cantado em coro por uma multidão açoitada pelo destino vale tanto quanto uma filosofia.
O que distingue o homem dos outros animais é o fato de ele guardar, de um modo ou de outro, os seus mortos.
As casas dos mortos — as dos mortos e não as dos vivos — pela sua solidez venceram os séculos: as moradias permanentes, não as estalagens.
Acreditar em Deus é, antes de mais nada e principalmente, querer que ele exista.
Se a mortalidade da alma é terrível, a sua imortalidade não o é menos.
Mais vezes tenho visto um gato a raciocinar do que a rir ou a chorar. Talvez chore por dentro, mas também, por dentro, talvez o caranguejo resolva equações do segundo grau.
Por mais de uma vez se tem dito que todo o homem desgraçado prefere ser quem é, ainda mesmo com as suas desgraças, a ser outrem, sem elas.
As pessoas que só pensam com o cérebro tornam-se definidores, fazem-se profissionais do pensamento.
Todo conhecimento tem uma finalidade. Saber por saber, por mais que se diga o contrário, não passa de lamentável petição de princípio.
O conhecimento está a serviço da necessidade de viver, ao serviço do instinto de conservação pessoa. O homem vê, ouve, apalpa, saboreia e cheira aquilo que precisa de ver, ouvir, apalpar, saborear ou cheirar para conservar a sua vida.
Pelo que me diz respeito, jamais de bom grado me entregarei, nem outorgarei a minha confiança a um condutor de povos que não esteja penetrado da idéia de que, ao conduzir um povo, conduz homens, homens de carne e osso, homens que nascem, sofrem e ainda que não queiram morrer, morrem; homens que são fins em si mesmos e não meios...
Podemos ter um grande talento e sermos estúpidos de sentimentos e moralmente imbecis.
A curiosidade brotou da necessidade de conhecer para viver.
Pensar é falarmos conosco. O pensamento é linguagem interior.
A bondade é a melhor fonte de clarividência espiritual
Saber por saber! A verdade pela verdade! Isso não é humano!
Não existe um só que, chegando a distinguir o verdadeiro do falso, não prefira a mentira que ele encontrou à verdade que outrem descobriu.
O homem prefere prolongar-se no tempo a prolongar-se no espaço. Mais vale durar para sempre num recanto do que brilhar um segundo em todo o universo.
O catolicismo produziu heróis e o protestantismo sociedades sensatas, felizes, ricas...
Coisa terrível a inteligência. Tende à morte, como a memória à estabilidade. O vivo, aquilo que é absolutamente instável, o absolutamente individual é, rigorosamente falando, ininteligível.
A ciência é um cemitério de idéias mortas, ainda que delas saia a vida. Também os vermes se alimentam de cadáveres. Os meus próprios pensamentos, uma vez arrancados das suas raizes no coração, transportados para esse papel, são já cadáveres de pensamentos.
O amor é o que há de mais trágico no mundo e na vida. O amor é filho da ilusão e pai da desilusão. É a consolação na desolação. O único remédio para a morte da qual ele é irmão.
O amor busca com furor, através do objeto amado, alguma coisa que está para além dele. E como não a encontra se desespera.Só podemos conhecer bem aquilo que amamos e de que tenhamos tido compaixão.
Giambatista Vico, com sua profunda penetração estética, viu na alma da antiguidade que a filosofia espontânea do homem era fazer-se regra do universo, guiado pelo Instinto d’Animazione.
Talvez que a imensa Via Lactea, por nós contemplada nas noites claras, esse enorme anel do qual o nosso sistema planetário não é mais do que uma molécula, não seja, por sua vez, mais do que uma célula do Universo do Corpo de Deus.
Criamos Deus para salvar do nada o Universo.
Atrevo-me a dizer que o verme que ama no seu torrão seria mais divino que um Deus sem amor entre os seus mundos. (Roberto Browning)
A eterna religião das entranhas do homem, o sonho individual do coração, é o culto do seu ser, a adoração da vida. (Flaubert)
Não foi condenação dos antigos deuses e dos demônios o não poderem suicidar-se?
Não será toda a vida um sonho e a morte um despertar?
A bondade é a melhor fonte de clarividência espiritual.
Rubem Alves é escritor, teólogo e educador

http://www.cpopular.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1605432&area=2220&authent=172047542551221702477625732235 - Jornal Correio Popular, Campinas, 09/11/2008

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