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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

‘Gaia sagrada’: as relações entre ecologia, feminismo e cristianismo

Adital -

Entrevista especial com Anne Primavesi.

A hipótese Gaia, ou a Teoria de Gaia, propõe que a biosfera e as demais esferas físicas da Terra estão intimamente integradas de modo a formar um complexo sistema interagente estável. Na visão da teóloga inglesa Anne Primavesi, a partir de seus estudos conjuntos com o autor da Teoria de Gaia, James Lovelock, Gaia (ou Mãe Terra, Pachamama etc.) é sagrada, assim como suas inter-relações, que moldam aquilo que somos.

"Uma valorização gaiana da criação vê as coisas como elas realmente são, como todos os seres vivos dependem uns dos outros tanto no tocante à possibilidade da vida quanto à sua qualidade", afirma Primavesi. Por isso, na teologia coevolutiva, cada organismo é valorizado pelo que é em si mesmo.

Porém, a partir de uma perspectiva ecofeminista, a teóloga reconhece que "as mulheres e a natureza têm sido tradicionalmente rebaixadas e ignoradas numa concepção hierárquica do mundo". A partir dessa concepção, "todos os seres não humanos podem ser usados e abusados para esse fim", afirma ela, em entrevista gentilmente concedida por e-mail à IHU On-Line, em um delicado período de recuperação pós-operatório.

"Nós agora temos de lidar com os efeitos do patriarcado e da desvalorização religiosa dos ‘corpos’ não só sobre as mulheres, crianças e povos indígenas, mas também sobre o corpo da Terra". Isso exige uma "mudança no clima religioso", defende. Nesse sentido, como resposta a uma das perguntas desta entrevista, Primavesi enviou ao IHU On-Line, com exclusividade, seu "Manifesto pelo Ecofeminismo", que aqui publicamos pela primeira vez em português. A tradução é de Luís Marcos Sander.

Anne Primavesi é teóloga inglesa, doutora em teologia sistemática, especializada em questões ecológicas. Membro do Centro de Estudos Interdisciplinares da Religião, do Birkbeck College, University of London, já lecionou na Bristol University. É autora de vários livros, incluindo Sacred Gaia (2000), Gaia's Gift: Earth, Ourselves and God after Copernicus (2003) e Gaia and Climate Change: a Theology of Gift Events (2009). Em português, publicou Do Apocalipse ao Gênesis: Ecologia, Feminismo e Cristianismo (Paulinas, 1996). Após conhecer o cientista James Lovelock, criador da Teoria de Gaia, Primavesi colaborou com ele no primeiro curso do Schumacher College sobre a Teoria de Gaia, em 1991.

Confira a entrevista.

IHU On-Line - Em seu livro Sacred Gaia (sem tradução para o português), a senhora discute a teologia a partir de uma perspectiva coevolutiva. A que se refere?

Anne Primavesi - A teologia tradicional classifica tudo numa hierarquia de importância, sendo que a parte superior dela está mais próxima de Deus, e a inferior, mais distante. Uma perspectiva coevolutiva surge de uma compreensão mais profunda e de uma valorização da forma como todos os seres vivos vêm a existir e mantêm sua existência através de uma interligação e interdependência ineludível.

Na teologia coevolutiva:

• cada organismo é valorizado pelo que é em si mesmo;

• o valor de cada organismo "importa" em relação ao todo;

• cada entidade é um ser singular e, por conseguinte, essencialmente inclassificável em graus;

• o valor intrínseco de cada uma se baseia na gratuidade do amor de Deus por ela;

• cada uma está presente e vívida na memória de Deus;

• o valor das criaturas não humanas não reside na forma como contribuem para a qualidade da vida humana; cada uma tem direito à sua própria qualidade de vida;

Como diz o poema, "eu pedi que a árvore me falasse sobre Deus, e ela floresceu".

IHU On-Line - Ao analisar a relação entre as mulheres e a ecologia, a senhora apresenta as ideias de uma ordem hierárquica e de uma ordem "Gaiana". Qual é a contribuição do feminino para o cuidado da Criação?

Anne Primavesi - Ao longo das últimas décadas, as ecofeministas expressaram claramente como as mulheres e a natureza têm sido tradicionalmente associadas ao serem rebaixadas e ignoradas numa concepção hierárquica do mundo.

Nessa concepção, os homens estão sujeitos a Deus, as mulheres sujeitas aos homens, os animais sujeitos a ambos, e a própria terra é, simplesmente, o lugar onde nós, seres humanos, realizamos nossa salvação e esperamos o céu. Numa concepção hierárquica, todos os seres não humanos podem ser usados e abusados para esse fim. Esse ordenamento hierárquico valida, conscientemente ou não, relações violentas.

Uma valorização gaiana da criação vê as coisas como elas realmente são, como todos os seres vivos dependem uns dos outros tanto no tocante à possibilidade da vida quanto à sua qualidade. Rotineiramente, talvez não estejamos conscientes do presentear essencial por parte dos muitos seres que possibilitam que nós tenhamos vida. Mas uma consciência mais profunda desse presentear nos refreará para não cometermos excessos de egoísmo e violência que prejudicam a terra, que é o lar de todos os seres vivos.

IHU On-Line - Qual é o impacto das mudanças climáticas sobre a fé e a prática das nossas igrejas hoje? Qual é o papel dos cristãos nesse contexto específico?

Anne Primavesi - A ciência que forma nossa compreensão da mudança climática mostra quão profundamente a humanidade afetou o equilíbrio da vida na terra. Além da perda da biodiversidade, ela adverte que a sobrevivência da própria humanidade corre risco. Isso desafia o pensamento e a prática das igrejas.

Em termos de pensamento, temos de aprender a:

• nos ver e expressar como parte de toda a comunidade da vida na terra;

• ver e tratar a terra como um lar;

• aprender e demonstrar compaixão e respeito por todas as criaturas;

• em encontros litúrgicos, responder com um agradecimento formal, gratidão e respeito pelas dádivas que nos são dadas por todos os seres vivos e tornam possível nossa vida.

Em termos de prática, temos de aprender a:

• descobrir e responder ao valor intrínseco de toda a Criação;

• resistir ao imperialismo, consumismo, colonialismo e violência em nosso pensamento;

• aprender a humildade ecológica, um reconhecimento de nossa dependência do trabalho das muitas criaturas não humanas que mantêm limpo o ar, potável a água e nos fornecem os alimentos que comemos.

IHU On-Line - Em sua opinião, por trás da crise climática, há também uma crise ética e espiritual? Perdemos a nossa capacidade de conviver com os demais seres vivos da Criação?

Anne Primavesi - Não podemos separar o espiritual do ético, ou o social do ecológico. Só podemos fazer essas separações na linguagem, não na realidade. Como pessoa, eu ajo a partir da totalidade de meu ser. As tarefas são as seguintes:

• falar sobre nós, de maneira que não pressuponham que essa espécie de separação linguística descreva as coisas assim como elas são;

• mediar entre as ideias e a ação, o abstrato e o real.

Por exemplo, quando comemos, não deveríamos simplesmente abençoar a comida. Deveríamos reconhecer que a comida abençoa a nós e responder dando graças por isso. Antes de agradecer a Deus pela comida, deveríamos identificar e estar conscientes daqueles e daquelas cujo trabalho e cuja vida tornam possível que comamos agora e agradecer a eles e elas. E isso não apenas em palavras, mas na forma como vivemos, esperando que eles e elas tenham espaço para vicejar e não os/as considerando simplesmente meios para nossos próprios fins humanos.

IHU On-Line - O "Tempo para a Criação" de 2010 está relacionado com a campanha 10:10:10, que será o dia com o maior número de ações positivas contra as ações climáticas. A partir de que motivações teológicas ou bíblicas essa relação entre fé e ecologia pode crescer ainda mais?

Anne Primavesi - Essas coisas devem ser descobertas e expressas por cada pessoa e cada comunidade. Espero ter notícias das formas de fazer isso que vocês venham a criar durante esse período! O que vocês nos disserem sobre o que encontraram será o presente que darão a todas e todos nós.

Penso que o Manifesto pelo Ecofeminismo (1) poderá ajudar nesse sentido.

Ecofeminismo

Definição

O termo "ecofeminismo" foi cunhado pela autora francesa Françoise d’Eaubonne e apresentado em seu livro Le féminisme ou la mort, publicado em 1974. Ela o usou para designar um tipo específico de movimento ecológico em que a consciência da opressão das mulheres é a principal força motriz.

Características

a) O discurso ecofeminista reúne visões feministas e política ecológica, com base na percepção de que há ligações entre a dominação de pessoas e a dominação da natureza não humana. Ele toma a crítica feminista das relações humanas e a coloca lado a lado com uma análise das relações entre seres humanos e não humanos.

b) As ecofeministas usam uma perspectiva ecológica para apontar em direção à ausência de hierarquia na Natureza e contrapor isto à presunção cultural, comumente aceita, de que uma espécie, a humana, tem o direito de dominar todas as outras.

c) O fato é que nós, seres humanos, não temos condições de viver à parte do resto da Natureza. Cada um de nós está internamente relacionado com todos os aspectos de nosso meio ambiente, e essa relação faz parte do que somos. Inspirando o ar, nós recebemos. Expirando-o, devolvemos. As ciências naturais nos deram informações sobre o meio ambiente global mais amplo: sobre a camada de ozônio, a chuva ácida, o desmatamento e a desertificação e as emissões de dióxido de carbono na atmosfera. Essas informações mostram não só que a Natureza poderia viver inteiramente feliz sem nós, e de fato seria muito mais feliz sem nossa interferência nela. Ao mesmo tempo, estamos ficando cada vez mais conscientes de que o inverso não é verdade: nós não podemos viver fora dos sistemas naturais que sustentam a vida.

d) As descrições culturais masculinas de nós mesmos como seres que estão "fora de" ou "no controle", não só do meio ambiente, mas também de outros seres vivos nele, foram, entrementes, contestadas, porém não eliminadas. Ao longo de toda a histórica humana ocidental, as mulheres foram rotineiramente classificadas como escravas e tratadas como tais. Isto veio à tona com o movimento público pela emancipação das mulheres. Ele começou nos Estados Unidos com o movimento pela emancipação dos escravos, com a luta por seus direitos a seu próprio corpo, a seus filhos e à propriedade que viessem a adquirir. Então as mulheres se deram conta de que elas também não tinham esses direitos.

Esta lição foi compreendida claramente em 1840, na Convenção Mundial contra a Escravidão realizada em Londres. Elizabeth Cady Stanton e Lucretia Mott, junto com outras delegadas americanas, foram relegadas às galerias na condição de "observadoras". Indignadas, elas realizaram uma conferência em 1848, em Seneca Falls, para tratar "da condição e dos direitos sociais, civis e religiosos das mulheres". Os povos indígenas também não têm tido esses direitos. Até 1967, os aborígenes australianos eram juridicamente classificados como "flora e fauna", isto é, como incapazes de passar da natureza para a cultura.

e) Essa desvalorização das mulheres e dos povos indígenas aconteceu numa cultura secular dominada por uma imagem dos seres humanos (ou, mais precisamente, dos homens) como "mentes", e numa cultura religiosa dominada por homens que entendiam que seu "espírito" e sua mente controlavam não só seus próprios corpos, mas também, por extensão, os corpos das mulheres, das crianças, dos povos indígenas e, naturalmente, de toda a Natureza material. Isto remonta ao mito da criação de Platão, o Timeu. Sua desvalorização da corporalidade se arraigou no ensino cristão e atingiu seu ápice no conceito do pecado supostamente corporificado em Eva. A mentalidade platônica e a cristã se juntam numa passagem do Apocalipse (lida na festa do dia de Todos os Santos) a respeito dos 144 mil que serão salvos (Apocalipse 7, 1ss.; 14, 1-5). A passagem de Apocalipse 14, 4 sintetiza o ideal a que todos e todas nós deveríamos supostamente aspirar! Entretanto, sabemos que o espiritual só está vivo em nós onde o espírito e a matéria, a mente e o corpo fazem todos parte do mesmo organismo vivo. Nenhum aspecto tem precedência sobre outro, pois eles só podem funcionar juntos como um todo vivo.

f) Há um outro fator nessa história, "a regra dos fisicamente mais fortes", que liga a sujeição das mulheres com a sujeição da Terra até o presente. Eu o chamo de "militarismo econômico". Bismarck estava descrevendo o militarismo quando disse que a única realidade política prática é o poder e a única fonte do poder é a força física, ou seja, a capacidade de matar e ferir. Essa "capacidade" era e é um importante e ainda crescente produto de exportação dos países do Norte econômico para os do Sul econômico, a maioria dos quais são ex-colônias. Pois ela era a força física que estava por trás da colonização europeia de outros continentes e sua concomitante cristianização. Atualmente assume a forma de um complexo militar-industrial que continua a crescer, a consumir recursos em todos os sentidos e a deixar a destruição ambiental em sua esteira. Mais uma vez, as mulheres, as crianças, os povos indígenas, os pobres e suas terras são as principais vítimas. O Conselho Mundial de Igrejas, em sua preparação para a Cúpula das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, estabeleceu ligações explícitas entre essas questões em seu programa Justiça, Paz e Integridade da Criação. As ligações delas com a Terra foram ignoradas no programa católico romano Justiça e Paz.

g) Em termos religiosos, o modelo do domínio dos mais fortes é apoiado pelo conceito de hierarquia ou "domínio sagrado", que é endêmico no cristianismo e nas instituições culturais do Ocidente. De forma literal ou figurada, ele assume a forma de uma pirâmide ou da "Grande Cadeia do Ser". Em ambas, o Espírito, Deus ou Inteligência não material (mas masculino!) constitui o pináculo e a fonte do poder. O poder flui dele para os homens, e deles para as mulheres, as crianças e os povos indígenas. "Debaixo" de todos esses seres e sujeita a todos os "de cima" está a Terra.

h) As sociedades e instituições hierárquicas valorizam os seres de acordo com a posição que ocupam na pirâmide ou cadeia: Deus/Espírito/Inteligência no topo, e as mulheres, as crianças e a Terra na parte de baixo. Elas estão sujeitas, em termos religiosos e institucionais, ao poder vindo "de cima", exercido em nome de um Deus todo-poderoso.

Implicações

Todas as características descritas acima ainda podem ser discernidas em nossa atual cultura secular e religiosa. Elas causam impacto sobre nossa autocompreensão e sobre o que é tido como opiniões e comportamentos aceitáveis. Uma conhecida afirmação de Dom Helder Câmara serve como forma de ilustrar esse efeito. Disse ele: "Se dou comida aos pobres, chamam-me de santo. Se pergunto por que os pobres não têm comida, chamam-me de comunista/marxista".

Isso pode servir de base metodológica para as críticas ecofeministas:

• se trabalho pelos direitos das mulheres, sou uma militante em defesa dos direitos humanos. Se pergunto por que as mulheres, as crianças e os escravos não têm esses direitos, sou uma filósofa feminista;

• se crio refúgios para mulheres vítimas de maus-tratos ou para vítimas da guerra, sou uma assistente social. Se pergunto por que os abrigos são necessários, sou uma filósofa ética feminista;

• se estudo a posição das mulheres ao longo da história do cristianismo, sou uma historiadora da Igreja. Se pergunto por que elas foram mantidas nessa posição, sou uma teóloga feminista;

• se estudo as inter-relações entre mulheres, povos indígenas e movimentos ecológicos, sou uma cientista social. Se pergunto por que essa inter-relação se baseou na desvalorização e na violência para com os corpos das mulheres e dos povos indígenas e contra o corpo da Terra, sou uma filósofa ecofeminista;

• se faço todas essas perguntas e pergunto que papel o cristianismo desempenhou nisso, sou uma teóloga ecofeminista.

O patriarcado, o domínio dos Pais [Padres], não foi acrescentado à formulação da doutrina cristã. Ele foi introduzido na formulação das próprias doutrinas.

Nós agora temos de lidar com os efeitos do patriarcado e da desvalorização religiosa dos "corpos", não só sobre as mulheres, crianças e povos indígenas, mas também sobre o corpo da Terra. Esses efeitos são o que passamos a conhecer como "mudança climática". Eles também exigem uma mudança no clima religioso.

Nota:

(1) O texto, de autoria de Anne Primavesi, foi apresentado na conferência anual da European Network Church on the Move, em Londres, 2009. O manifesto é inédito no Brasil e foi enviado pela autora à redação da IHU On-Line (Nota da IHU On-Line).

* Instituto Humanitas Unisinos

O LEGADO DE DOM HELDER CAMARA

Frei Betto

O arcebispo Dom Helder Camara (1909-1999) é figura singular na história da Igreja Católica no Brasil. Diminuto, magérrimo, poucos o superavam em oratória: adornava as ideias com gestos efusivos e um senso de humor incomum ao se tratar de bispos. Por onde andasse, lotava auditórios: Paris, Nova York, Roma... Entre os anos de 1960-80, apenas dois brasileiros gozavam de ampla popularidade no exterior: Pelé e Dom Helder.

Tamanho o carisma dele que, em 1971, em Paris, convidado a falar num salão capaz de comportar 2 mil pessoas, tiveram que transferi-lo para o Palácio de Esportes, que abriga 12 mil.



Hábitos simples



Conheci-o em 1962, ao chegar ao Rio, vindo de Minas, para integrar a direção nacional da JEC (Juventude Estudantil Católica). Dom Helder era bispo-auxiliar da arquidiocese carioca e responsável pela Ação Católica. Vivia de seu salário como assessor técnico (aprovado em concurso público) do Ministério da Educação, morava modestamente, almoçava em botequim – ou melhor, beliscava, pois a vida toda comeu como passarinho – e subia as favelas como quem se sente em casa, sempre trajando batina, hábito mantido por toda a vida, mesmo quando o Concílio Vaticano II (1962-1965) permitiu aos clérigos saírem à rua em trajes civis.

Desde seus tempos de seminarista em Fortaleza – nascera em Messejana, hoje bairro da capital cearense – Dom Helder cultivava hábitos incomuns: deitava-se por volta das dez ou onze da noite, levantava-se às duas da madrugada, trocava a cama por uma cadeira de balanço, na qual orava, meditava, lia e escrevia cartas e poemas. Todos os seus livros foram concebidos naquele momento de “vigília”, como dizia. Às quatro retornava ao leito, dormia por mais uma hora para, em seguida, celebrar missa e iniciar seu dia de trabalho.

Com frequência Dom Helder visitava a “república” das Laranjeiras, onde se amontoavam os estudantes dirigentes da JEC e da JUC (Juventude Universitária Católica). Betinho (Herbert Jose de Souza) e José Serra, líderes estudantis, encontravam ali hospedagem garantida ao vir de Minas ou São Paulo.

Era Dom Helder quem nos assegurava, graças a seus relacionamentos em todas as camadas sociais, passagens aéreas pelo Brasil, bolsas de estudos, e até alimentação. Na época, o governo dos EUA, preocupado com a ameaça comunista na América Latina (sobretudo após a vitória da Revolução Cubana), lançara a campanha “Aliança para o Progresso”, que consistia, basicamente, em remeter alimentos às famílias miseráveis.

Para socorrer-nos da penúria na “república”, Dom Helder, responsável pela distribuição dos donativos, nos enviava caixas de papelão contendo o que denominávamos “leite da Jaqueline” e “queijo do Kennedy”. Como os produtos ficavam meses no porto, sujeitos ao calor carioca, vários de nós tivemos problemas de saúde por ingeri-los.



Senso de oportunidade



O maior sonho de Dom Helder era a erradicação da miséria no mundo. Sonhava com o ano 2000 sem fome. Ainda no Rio, criou o Banco da Providência e a Cruzada São Sebastião, no intuito de pôr fim às favelas. Graças a doações, edificou no Leblon um conjunto de prédios, para cujos apartamentos transferiu famílias de uma favela próxima. Não deu certo. Sem recursos para pagar os impostos (luz, água, telefone...), os moradores passaram a sublocar os domicílios e a obter renda graças à venda de torneiras, pias e outras peças do imóvel.

Para angariar recursos a suas obras, Dom Helder não titubeava em comparecer a programas de auditório de grande audiência televisiva. Certa ocasião, foi convidado por um apresentador para sortear prendas expostas no palco e vistas por todos, exceto pela pessoa trancada numa cabine opaca. Calhou de ser um desempregado. “Seu Joaquim, o senhor troca isto por aquilo?” E sem nomear o objeto, Dom Helder apontava um liquidificador e, em seguida, um carro. Seu Joaquim respondia “sim” e toda a platéia vibrava. Em seguida, Dom Helder indagou se trocava o carro por um abridor de latas. O homem topou. E não mais arredou pé, cismou que escolhera a melhor prenda. Ao sair da cabine, recebeu dos patrocinadores, decepcionado, o abridor. E Dom Helder mereceu um polpudo cheque. O arcebispo não teve dúvidas: “Seu Joaquim, o senhor troca este cheque pelo abridor?”

No dia seguinte, no Palácio São Joaquim, onde funcionava a cúria do Rio, criticamos Dom Helder por ter aberto mão de um recurso que poderia reforçar suas obras sociais. Ele justificou-se: “Perdi o cheque, ganhei em publicidade. Esperem para ver quanto dinheiro vou angariar.”



Visão empreendedora



Homem carismático, dotado de forte espírito gregário, era difícil alguém – incluído quem o criticava – não se deixar envolver pela energia que dele emanava no contato pessoal. JK quis que se candidatasse a prefeito do Rio. Dom Helder jamais aceitou meter-se em política partidária; bastava-lhe, como lição, o erro de juventude, quando demonstrou simpatia pelos integralistas.

Por sua iniciativa, foram fundados, em 1955, o CELAM – Conselho Episcopal Latino-Americano -, que congrega e representa os bispos do nosso Continente, e a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, pólo articulador dos prelados de nosso país, do qual ele foi o primeiro secretário-geral.



Bispo vermelho



Numa época em que não havia Igreja progressista nem Teologia da Libertação, Dom Helder, graças à sua sensibilidade social e sua opção pelos pobres, era tido por comunista, difamação acentuada após a implantação da ditadura militar no Brasil, em 1964. Costumava comentar: “Se defendo os pobres, me chamam de cristão; se denuncio as causas da pobreza, me acusam de comunista”.

Nomeado arcebispo de São Luís (MA) no mesmo mês do golpe, antes de tomar posse o papa Paulo VI o transferiu para Olinda e Recife, onde permaneceu até morrer.

Em 1972 o nome de Dom Helder despontou como forte candidato ao Prêmio Nobel da Paz. Há fortes indícios de que não foi laureado por duas razões: primeiro, pressão do governo Médici. A ditadura se veria fortemente abalada em sua imagem exterior caso ele fosse premiado. Mesmo dentro do Brasil Dom Helder era considerado persona non grata. Censurado, nada do que o “arcebispo vermelho” falava era reproduzido ou noticiado pela mídia de nosso país.

A outra razão: ciúmes da Cúria Romana. Esta considerava uma indelicadeza, por parte da comissão norueguesa do Nobel da Paz, conceder a um bispo do Terceiro Mundo um prêmio que deveria, primeiro, ser dado ao papa...

No Recife, Dom Helder lançou a Operação Esperança: promoveu reforma agrária nas terras da arquidiocese; passou a visitar favelas, mocambos e bairros pobres; estreitou laços com artistas, universitários e intelectuais.

Graças ao seu poder de articulação e carisma profético, em 1973 bispos e superiores religiosos do Nordeste fizeram ecoar a primeira denúncia cabal à ditadura feita por católicos: o manifesto “Ouvi os clamores de meu povo”. O documento, recolhido pela repressão, foi divulgado através de edições clandestinas mimeografadas.



Homem de fé



Um dia, o governo militar, preocupado com a segurança do arcebispo de Olinda e Recife, temendo que algo acontecesse a ele – um atentado ou “acidente” - e a culpa recaísse sobre o Planalto, enviou delegados da Polícia Federal para lhe oferecer um mínimo de proteção. Disseram-lhe: “Dom Helder, o governo teme que algum maluco o ameace e a culpa recaia sobre o regime militar. Estamos aqui para lhe oferecer segurança”.

Dom Helder reagiu: “Não preciso de vocês, já tenho quem cuide de minha segurança”. “Mas, Dom Helder, o senhor não pode ter um esquema privado. Todos que dispõem de serviço de segurança precisam registrá-lo na Polícia Federal. Esta equipe precisa ser de nosso conhecimento, inclusive devido ao porte de armas. O senhor precisa nos dizer quem são as pessoas que cuidam da sua segurança.”

Dom Helder retrucou: “Podem anotar os nomes: são três pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo.”

Dom Helder morava numa casa modesta ao lado da igreja das Fronteiras, no Recife. Frequentemente, as pessoas que tocavam a campainha eram atendidas pelo próprio arcebispo. Certa noite, a polícia fez batida numa favela da capital pernambucana, em busca do chefe do tráfico de drogas. Confundiu um operário com o homem procurado. Levou-o para a delegacia e passou a torturá-lo.

Pela lógica policial, se o preso apanha e não fala é porque é importante, treinado para guardar segredos. Vizinhos e a família, desesperados, ficaram em volta da delegacia ouvindo os gritos do homem. Até que alguém sugeriu à esposa do operário recorrer a Dom Helder.

A mulher bateu na igreja das Fronteiras: “Dom Helder, pelo amor de Deus, vem comigo, lá na delegacia do bairro estão matando meu marido a pancadas.” O prelado a acompanhou. Ao chegar lá, o delegado ficou assustadíssimo: “Eminência, a que devo a honra de sua visita a esta hora da noite?”

Dom Helder explicou: “Doutor, vim aqui porque há um equívoco. Os senhores prenderam meu irmão por engano.” “Seu irmão?!” “É, fulano de tal – deu o nome – é meu irmão”. “Mas, Dom Helder – reagiu o delegado perplexo -, o senhor me desculpe, mas como podia adivinhar que é seu irmão. Os senhores são tão diferentes!”

Dom Helder se aproximou do ouvido do policial e sussurrou: “É que somos irmãos só por parte de Pai”. “Ah, entendi, entendi.” E liberou o homem.

De fato, irmãos no mesmo Pai.


Perseguições e direitos humanos



Durante o regime militar, Dom Helder moveu intensa campanha no exterior de denúncia de violações dos direitos humanos. O governador de São Paulo, Abreu Sodré, tentou criminalizá-lo. Alegava ter provas de que Dom Helder era financiado por Cuba e Moscou. Alguns bispos ficavam sem saber como agir, como foi o caso do cardeal de São Paulo, Dom Agnelo Rossi, amigo do governador e de Dom Helder. Não foi capaz de tomar uma posição firme na contenda. Mais tarde a denúncia caiu no vazio, não havia provas, apenas recortes de jornais.

Incomodava ao governo ver desmoralizada, pelo discurso de Dom Helder, a imagem que ele queria projetar do Brasil no exterior, negando torturas e assassinatos. Dom Helder ressaltava que, se o governo brasileiro quisesse provar que ele mentia, então abrisse as portas do país para que comissões internacionais de direitos humanos viessem investigar, como havia feito a ditadura da Grécia.

Se hoje, na Igreja, se fala de direitos humanos, especificamente na Igreja do Brasil, que tem uma pauta exemplar de defesa desses direitos, apesar de todas as contradições, isso se deve ao trabalho de Dom Helder. Nenhum episcopado do mundo tem agenda semelhante à da CNBB na defesa dos direitos humanos. A começar pelos temas anuais da Campanha da Fraternidade: idoso, deficiente, criança, índio, vida, segurança etc. Neste ano de 2010, economia. Isso é realmente um marco, algo já sedimentado. Também as Semanas Sociais, que as dioceses, todos os anos, promovem pelo Brasil afora, favorecem a articulação entre fé e política, sem ceder ao fundamentalismo.

A Igreja Católica e o Brasil devem muito a Dom Helder Câmara, que desclandestinizou a pobreza existente em nosso país e induziu poder público e cristãos a encarar com seriedade os direitos dos pobres à vida digna e feliz. O profeta nascido em Messejana foi, sim, um autêntico discípulo de Jesus Cristo.



Frei Betto é escritor, autor do romance “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros. Twitter:@freibetto

VIOLÊNCIAS CONTRA A MULHER

Frei Betto

O hediondo crime que envolve o goleiro Bruno – a mulher, após ser assassinada, teve o corpo destroçado e devorado por cães, segundo denúncia – é a ponta do iceberg de um problema recorrente: a agressão masculina à mulher.

Entre 1997 e 2007, segundo o Mapa da Violência no Brasil/2010, 41.532 mulheres foram assassinadas no país. Um índice de 4,2 vítimas por cada grupo de 100 mil habitantes, bem acima da média internacional. O Espírito Santo apresenta o quadro mais grave: 10,3 assassinatos de mulheres/100 mil.

O Núcleo de Violência da Universidade de São Paulo identifica como assassinos maridos, ex-maridos e namorados inconformados com o fim da relação. Ao forte componente de misoginia (aversão à mulher), acresce-se a prepotência machista de quem se julga dono da parceira e, portanto, senhor absoluto sobre o destino dela.

A Central de Atendimento à Mulher (telefone 180) recebeu, nos primeiros cinco meses deste ano, 95% mais denúncias do que no mesmo período do ano passado. Mais de 50 mil mulheres denunciaram agressões verbais e físicas. A maioria é de mulheres negras, casadas, com idade entre 20 e 45 anos e nível médio de escolaridade. Os agressores são, em maioria, homens com idade entre 20 e 55 anos e nível médio de escolaridade.

Acredita-se que o aumento de denúncias se deve à Lei Maria da Penha, sancionada em 2006 pelo presidente Lula, e que aumenta o rigor da punição aos agressores. Apesar desse avanço, tudo indica que muitos lares brasileiros são verdadeiras casas dos horrores. A mulher é humilhada, destratada, surrada, por vezes vive em regime de encarceramento virtual e de semiescravidão no trabalho doméstico. Sem contar os casos de pedofilia e agressão sexual de crianças e adolescentes por parte do próprio pai.

A violência contra a mulher decorre de vários fatores, a começar pela omissão das próprias vítimas que, dependentes emocional e financeiramente do agressor, ou em nome da preservação do núcleo familiar, ficam caladas ou dominadas pelo pavor frente aos efeitos de uma denúncia. Soma-se a isso a impunidade. Eliza Zamudio, ex-namorada do goleiro Bruno, teria recorrido à Delegacia de Defesa da Mulher, sem que sua queixa tivesse sido levada a sério. Raramente o poder público assegura proteção à vítima e é ágil na punição ao agressor.

A violência contra a mulher não ocorre apenas nas relações interpessoais. Ela é generalizada pela cultura mercantilizada em que vivemos. Basta observar a multiplicidade de anúncios televisivos que fazem da mulher isca pornográfica de consumo.

Pare diante de uma banca de revistas e confira a diversidade do “açougue” fotográfico! Preste atenção no papéis femininos em programas humorísticos. Ora, se a mulher é reduzida às suas nádegas e atributos físicos, tratada como “gata” ou “avião”, exposta como mero objeto de uso masculino, como esperar que seja respeitada?

Nossas escolas, de uns anos para cá, introduziram no currículo aulas que abordam o tema da sexualidade. Em geral se restringem a noções de higiene corporal para se evitar doenças sexualmente transmissíveis. Não tratam do afeto, do amor, da alteridade entre parceiros, da família como projeto de vida, da irredutível dignidade do outro, incluídos os/as homossexuais.

Nas famílias, ainda há pais que conservam o tabu de não falar de sexo e afeto com os filhos ou julgam melhor o extremo oposto, o “liberou geral”, a total falta de limites, o que favorece a erotização precoce de crianças e a promiscuidade de adolescentes, agravada pelos casos de gravidez inesperada e indesejada.

Onde andam os movimentos de mulheres? Onde a indignação frente às várias formas de violência contra elas?

Os clubes esportivos deveriam impor a seus atletas, como fazem empresas e denominações religiosas, um código de ética. Talvez assim a fama repentina e o dinheiro excessivo não virassem a cabeça de ídolos de pés de barro...



Frei Betto é escritor, autor de “Diário de Fernando – nos cárceres da ditadura militar brasileira” (Rocco), entre outros livros. www.freibetto.org – twitter:@freibetto

IGREJA E HOMOSSEXUALIDADE NO BRASIL: CRONOLOGIA TEMÁTICA, 1547-2006¹

Luiz Mott,
Antropólogo, ex-Dominicano,
Universidade Federal da Bahia e Grupo Gay da Bahia

O objetivo deste trabalho é revelar, de forma sistemática e tematizada, quase duas centenas de fatos e momentos, do século XVI à atualidade, que marcam a posição, primeiramente da Igreja Católica, em seguida das demais denominações religiosas, face à questão homossexual no Brasil. Analisamos igualmente o outro lado da medalha: os episódios relativos à luta dos próprios homossexuais e seus aliados, no resgate de sua cidadania plena, inclusive o direito ao reconhecimento de sua dignidade enquanto homo-religiosus desejosos de participar e ser respeitados nas comunidades eclesiais.
Para tanto, baseamo-nos em variegadas fontes de informação, resultado de três décadas de pesquisas etno-históricas sobre a homossexualidade no Brasil, incluindo manuscritos coletados em diversos arquivos, notadamente na Torre do Tombo de Lisboa,notícias divulgadas na mídia, livros e monografias – material disponível no Arquivo do Grupo Gay da Bahia e no arquivo pessoal do autor².

Tratando-se de um primeiro ensaio cronológico-temático sobre a relação entre Igreja e Homossexualidade no Brasil, somos quem primeiro reconhece as limitações, lacunas e eventuais incorreções deste trabalho, que esperamos sirva de pista para novas investigações idiográficas e nomotéticas mais profundas e abrangentes.

Numa tentativa inicial de organizar tais informações, tivemos por bem agrupá-las em catorze entradas, facilitando assim a melhor compreensão e debate sobre o binômio religião e homossexualidade no Brasil, a saber:

1. Reconhecimento da existência da homossexualidade no Brasil
2. O “vício dos clérigos”
3. Padres homossexuais assassinados
4. Homofobia cristã
5. Moralismo homofóbico
6. Protestantismo
7. Judaísmo
8. Espiritismo
9. Candomblé
10. Ativismo contra a homofobia religiosa
11. Obras simpatizantes
12. Obras fundamentalistas
13. Benevolência e aggiornamento cristão
14. Igrejas pró-homo

1. Reconhecimento da existência da homossexualidade no Brasil

Desde a chegada dos primeiros missionários ao Brasil, já nos meados do século XVI, noticiaram ministros católicos e protestantes a presença do “mau pecado” entre os ameríndios de ambos os sexos, sendo que alguns sacerdotes fizeram vista grossa de tal desvio, apesar de ser referido pelos documentos papais como “o mais torpe, sujo e desonesto pecado, o mais aborrecido a Deus. ”

1549: O Padre Manoel da Nóbrega relata que “os índios do Brasil cometem pecados que clamam aos céus e andam os filhos dos cristãos pelo sertão perdidos entre os gentios, e sendo cristãos vivem em seus bestiais costumes”

1551: O jesuíta Pero Correia escreve de São Vicente (SP): “O pecado contra a natureza, que dizem ser lá em África muito comum, o mesmo é nesta terra do Brasil, de maneira que há cá muitas mulheres que assim nas armas como em todas as outras coisas, seguem oficio de homens e tem outras mulheres com que são casadas. A maior injúria que lhes podem fazer é chamá-las mulheres.”

1557: O calvinista Jean de Lery refere-se à presença de índios “tibira” entre os Tupinambá, “praticantes do pecado nefando de sodomia”

1621: no Vocabulário da Língua Brasílica, dos Jesuítas, aparece pela primeira vez referência a “çacoaimbeguira: “entre os Tupinambá, mulher macho que se casa com outras mulheres”

1642: O Vigário Geral no Bispado de Pernambuco desviou das mãos do Escrivão do Crime um sumário de culpas contra dois criminosos no nefando, em troca de 300$000

1795: Dois Comissários do Santo Ofício de Minas Gerais, ao serem consultados pelo promotor da Inquisição de Lisboa a respeito de um tal Capitão Manuel José Correia, acusado de ser sodomita “público e escandaloso”, os referidos sacerdotes contentam-se em referi-lo como “tendo o gênio de mulher e muito extravagante, não obstante, suas ações de católico serem edificantes, tendo feito várias festas nesta matriz de S. José com todo o zelo ao culto divino, além de ter em sua casa um santuário que é o melhor que existe em toda a comarca, e por ter fama de impotente, e nunca se lhe soube (ter tido) praça alguma com mulheres, dizem que costumava convidar homens para uns com outros, na ação de (se) esquentarem, chegar o delato a ter polução...”
2. Vício dos clérigos

Não obstante os anátemas e a perseguição do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição contra “o abominável e nefando pecado e crime de sodomia”, também em Portugal e suas colônias, padres e frades constituiram 1/3 dos fanchonos e sodomitas denunciados, presos e sentenciados pelo “Monstrum Horribilem”, merecidamente chamado então de “vicio dos clérigos”. Alguns destes religiosos revelando grande desenvoltura e persistência no “mau pecado”.

1630: Padre Amador Amado Antunes, Clérigo de Epístola, 25 anos, natural do Porto, morador na Bahia, era sodomita tão infamado que “em o vendo nas ruas de Salvador, muitos diziam: lá vai o somítigo e chegando um estranho na cidade logo lhe diziam que tivesse cuidado com o padre”.

1646, Padre Antonio de Souza, morador em Salvador, é acusado pelo escravo Domingos Bango, angola que “carregando na rede ao Padre, este mandou que entrasse em sua casa e de portas fechadas, ordenou que mostrasse-lhe as vergonhas enquanto punha órgão desonesto na mão do negro, o qual após receber um beijo, disse-lhe que o sacerdote não era clérigo mas o diabo”, fugindo espantado

1669: “há fama pública e constante entre a plebe, clérigos, religiosos e nobreza da Bahia que o Padre José Pinto de Freitas exercita o abominável pecado nefando com homens, estudantes e rapazes, pegando-lhes pela braguilha, abraçando-os e beijando-os, acometendo-os com dinheiro, ouro e jóias, por ser rico e poderoso”

1730: Padre Antonio de Guizeronde, Jesuíta, Reitor do Colégio da Companhia, em Salvador, “viveu com notável escândalo todo o tempo de seu reitorado. Tinha dois recoletos no Recolhimento, Francisco de Seixas e Luiz Alves, pelos quais fazia incríveis excessos, indo alta noite, descalço e com chave falsa, ao Recolhimento, ter com eles... A prostituição dos mestres jesuítas com seus discípulos era tão grande e notória que me não atrevo a dizer, que poucos foram os mestres naqueles pátios que não tivessem declaradamente seus amásios. Tudo isto que tenho dito é trivial na Bahia, principalmente entre os alunos daqueles pátios”

1756: Frei Matias dos Prazeres Gayo, Carmelita calçado da Província da Bahia, 37 anos, entregou ao Comissário do Santo a seguinte confissão: “Remordido de sua própria consciência e temor de Deus mais do que outro castigo”, se acusa que quando tinha 18 para 19 anos, cometeu o pecado nefando com Frei José de Jesus Maria, carmelita da província de Pernambuco, persuadido de sua autoridade e ignorando a enormidade do delito e das penas, não sabendo ser matéria privativa do Santo Ofício, e que nestes atos sempre foi paciente e só uma vez agente, sob instância de seu superior”

1781: Ana Joaquina, enclausurada no Recolhimento da Misericórdia, “levava vida escandalosa pelas excessivas amizades que contraía com outras mulheres do mesmo recolhimento, chegando até a meter e ocultar dentro da cela outras mulheres para o mesmo pecaminoso fim”

1836: Frei Francisco da Conceição Useda, noviço do Convento de Nossa Senhora do Carmo de Salvador, foi expulso da ordem por ser “corruptor da mocidade, forçando escandalosamente aos mais companheiros noviços à prática da sensualidade contra naturam”

1855: Junqueira Freire, poeta, o mais famoso beneditino do Mosteiro de São Sebastião, na Bahia, é autor de um poema homoerótico intitulado “A um moçoilo”, onde confessa seus amores por um rapaz

1898: C.F., “sacerdote, 45 anos, de compleição regular, temperamento genital, representando eminente papel no Clero Brasileiro, no qual tem recebido um sem-número de blandícias adulatórias e de desarrazoados encômios pela aptidão injustificável com que dirige na educação moral, religiosa e literária, futuros representantes de nossa pátria querida, é adestrado penitente de amor pelas crianças - da pedandrorastia . Os sentimentos de pudor e religião são levados ao extremo grau; mas no silêncio dos seus aposentos, as fricções lúbricas e as carícias motivando abraços e íntimos contatos com ad hoc crianças escolhidas provocam, prescindidas a immissio membri in anum aut interfemora, uma grande excitação que seguida de orgasmo se prolonga usque ad ejucalationem seminis”

1898: T.O., “monge beneditino, branco, de grande erudição intelectual, verdadeira glória do clero brasileiro, que no púlpito sobretudo, firmou as bases do seu levantado talento, colhendo imarcescíveis louros de triunfo, neste doente, o vício pederástico degenerou em verdadeira moléstia e imenso acentuou-se nas campanhas do Paraguai, por forma a não respeitar nem elevadas patentes militares em suas carreiras impudicas. Todavia, ainda hoje, conta-se, que poucos não são os bambinos e ragazzos que no altar de sua atividade lúbrica, prestam-se reverentes em obediência aos enleios de estremecimentos estáticos aspergidos com o orvalho da volúpia”

1987: falece D.Clemente Nigra, beneditino, fundador do Museu de Arte Sacra da Bahia, homossexual notório; da mesma ordem beneditina, do Mosteiro de Olinda, o Abade é recluso num mosteiro da Europa após escândalo envolvendo-o com um funcionário casado

1987-1993: 27 padres católicos morrem de Aids no Hospital das Clínicas de São Paulo

1994: Padre João Batista Monteiro, 42 anos, do RS, assume sua homossexualidade na mídia

2002: numa relação de 96 notícias de denúncia de pedofilia divulgadas na mídia brasileira em 2002, 12 eram padres e frades

3. Padres homossexuais assassinados

Este é um tristíssimo flagrante da prática clandestina do “amor que (ainda) não ousa dizer o nome” sobretudo por parte de sacerdotes católicos: praticamente todos os anos um ou mais padres, pais de santo e em menor número também pastores, são vítimas de violentos crimes homofóbicos, assassinatos motivados pelo ódio à homossexualidade.

1970: Padre Paulo Fabres Jaques, de Passo Fundo, RS, assassinado a facadas por seu amante dentro de um cinema ao encontrá-lo namorando outro rapaz

1979: D. Pedro Villas Boas de Sousa, Bispo da Igreja Ortodoxa de Embu-Guaçu, SP, homossexual, assassinado a tiros pelo Padre Paulo Antonio Besso

1990: Padre José Santana da Silva, assassinado por um garoto de programa num motel em Fortaleza

1991: D. Magno Mattos Salles, 69, Bispo da Congregação dos Padres Missionários de Jesus, da Província Eclesiástica da Bahia, Itabuna, homossexual, assassinado por rapaz de programa

2002: Padre José de Souza Fernandes, 48, homossexual, professor da PUC/Minas, morto com dois tiros e cabeça esmagada por um garoto de programa, na estrada de Ibirité, MG

2004: Padre Antônio Cordeiro, 56, homossexual, assassinado por espancamento em sua casa em Presidente Prudente, SP, vítima de latrocínio

2004: Padre Moacir Bernardino, 60 anos, é assassinado com dois tiros, seu corpo foi jogado numa avenida da Vila Mauá, Goiânia; meses antes fora preso por suspeita de ter assassinado outro sacerdote

2004: Padre Paulo Henrique Keler Machado, 36, homossexual, assassinado em sua residência, em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, encontrado um preservativo usado ao lado do corpo

2004: Frei Nicolau Wiggers, fransciscano, União da Vitória, PR, estrangulado num hotel por seu “filho adotivo” de 19 anos “Neguinho Mico”

2005: Padre Carlos Roberto Santana Prata, 34, homossexual, espancado e estrangulado por três homens nas margens de uma rodovia no Ceará

4. Homofobia cristã

A Igreja Católica capitaneou a perseguição aos “sodomitas” através do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição (1536-1821), prendendo, sequestrando os bens, açoitando, degredando e queimando na fogueira os mais escandalosos e “incorrigiveis”. Nos últimos anos, as Igrejas Evangélicas vêem adotando postura cada vez mais agressiva contra os amantes do mesmo sexo e transgêneros.

1547: primeiro “sodomita” degredado pelo Tribunal da Santa Inquisição portuguesa para o Brasil, (Pernambuco), Estevão Redondo, jovem criado de Lisboa

1580: Isabel Antônia, natural do Porto, é a primeira lésbica a ser degredada pelo Tribunal do Santo Ofício da Inquisição para o Brasil (Bahia), processada igualmente pelo Bispo de Salvador

1591: Padre Frutuoso Álvares, 70 anos, vigário no Recôncavo da Bahia, “sodomita incorrigível”, é primeiro sacerdote homossexual a ser inquirido na 1ª Visitação do Santo Ofício

1592: Felipa de Sousa, lésbica contumaz, foi sentenciada pelo Visitador do Santo Ofício na Sé da Bahia: vestida simplesmente com uma túnica branca, descalça, com uma vela na mão, foi açoitada publicamente pelas principais ruas de Salvador, enquanto o Ouvidor lia o pregão: “a Santa Inquisição manda açoitar esta mulher por fazer muitas vezes o pecado nefando de sodomia com mulheres, useira e costumeira a namorar mulheres.” Foi degredada para todo o sempre para fora da capitania

1593: Marcos Tavares, mameluco, 18 anos, é o primeiro sodomita do Brasil a ser açoitado publicamente, pelas principais ruas de Salvador, degredado em seguida para a capitania de Sergipe

1646: O lesbianismo deixa de ser perseguido pelo Tribunal da Inquisição, passando para a alçada da justiça real e episcopal

1613: Índio Tibira Tupinambá do Maranhão, é executado como bucha de canhão por ordem do frades capuchinhos franceses em São Luís, “para desinfestar esta terra do pecado nefando”; é primeiro homossexual condenado à morte no Brasil

1613: Publicação do Regimento da Inquisição Portuguesa, de D. Pedro de Castilho, determina-se a pena de morte na fogueira para os sodomitas

1640: Publicação do Regimento da Inquisição Portuguesa, de D. Fernando de Castro, ratifica-se o poder do Santo Ofício de perseguir os sodomitas, condenando à fogueira sobretudo “os mais devassos no crime, os que davam suas casas para cometer este delito ou perseverassem por muitos anos na perdição”

1689: O Arcebispo da Bahia D. Frei Manoel da Ressurreição informa: “logo que entrei nesta minha Igreja, comecei a ouvir as vozes de um grande escândalo contra um homem chamado Luiz Delgado, dizendo que era devasso no pecado nefando, fui apurando o fundamento e achei que não era aéreo e que a fama era antiga... e que se ausentara para o sertão despovoado com um muchacho com o qual estava vivendo no mesmo escândalo...” Ordena sua prisão e remete-os para o Tribunal do Santo Ofício de Lisboa

1707: As Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, no artigo 958, “Como se deve proceder no crime da sodomia”, considera-o “o mais torpe, sujo e desonesto pecado”, devendo o infrator ser preso e encaminhado ao Tribunal da Inquisição de Lisboa. Artigo 964: “as mulheres que uma com outra cometerem o pecado de molície, sejam degredadas por três anos para fora do Arcebispado e tenham penas pecuniárias.” Artigo 965: “Sendo homens que com outros cometerem o dito pecado de molície, serão castigados gravemente com penas de degredo, prisão, galés e pecuniária. E sendo clérigos, além das ditas penas, serão depostos do ofício e benefícios.”

1821 : Extinção do Tribunal do Santo Ofício Português e fim da pena de morte contra os sodomitas
1930: D. Macário Schimidt, do mosteiro de São Bento de São Paulo, é internado por 8 anos no Asilo de Alienados do Juqueri devido “a práticas homossexuais com meninos pobres”

1985: O Presidente do Grupo Gay da Bahia é agredido com um murro na cara dado por um Batista da Igreja Sião, no Campo Grande, por protestar contra a identificação da Aids como castigo de Deus contra os gays

2001: Duas estudantes lésbicas são expulsas do Colégio Padre Eustáquio, Belo Horizonte, por troca de carinho

2002: Liminar da Arquidiocese do Rio de Janeiro impediu que Dom Carlos II, bispo da Igreja Brasileira Livre, levasse na Parada Gay do Rio de Janeiro a imagem de Santa Madre Paulina, que em vida foi acusada de ser lésbica, 2002: Numa relação de 94 denúncias de pedofilia registradas no Brasil, em 10 casos, os acusados eram sacerdotes católicos e um pastor evangélico

2002: O Bispo Dom Carlos II, chefe da Igreja Brasileira Livre, encontrou sua Igreja arrombada e no altar uma bomba com a mensagem: "Morte ao bispo GLS", em represália a celebração ao casamento de uma transexual

5. Moralismo homofóbico

Bispos e pastores proclamam nos púlpitos e através dos meios de comunicação mensagens agressivas contra os homossexuais, não só fornecendo carga pesada que justifica ações violentas e até assassinatos de GLTB, como subsidiando a homofobia de parlamentares cristãos que impedem a votação de projetos de ações afirmativas visando a cidadania dos homossexuais

1974: Padre Charbonneau: “O homossexual é um indivíduo doente, que precisa de tratamento psicológico e psicanálise para se corrigir, não é um vício mas uma doença.”

1984: O Cônego José Luiz Marinho Villac escreve na revista Doutrina Católica e Catecismo: “O que fazer ante os homossexuais cínicos e agressivos? Há pessoas em que a homossexualidade não se reduz a uma simples tendência, mas também se manifesta por prática consciente e contumaz, à qual dão toda a sua adesão interna e externa. E fazem de sua homossexualidade uma bandeira para a qual pedem o reconhecimento da sociedade, de modo arrogante, petulante e agressivo, exigindo que suas práticas obscenas, execráveis e antinaturais sejam reconhecidas como um comportamento normal, sadio e legítimo. Os que assim se conduzem devem merecer dos católicos o repúdio votado a todos os pecadores públicos e insolentes, que se declaram ou se comportam como inimigos de Deus e de Sua Santa Lei, pecado que brada ao Céu e clama a Deus por vingança. Devem ser repudiados, com nota de execração. Que Nossa Senhora livre o Brasil dessa infâmia.”

1994: D. Aloísio Lorscheider, Arcebispo de Fortaleza, declara: “Homossexualismo é uma aberração”

1995: D.Girônimo Anandréa, Bispo de Erechim, RS: “O homossexualismo é um desafio contrário às leis da natureza e às leis do Criador. As uniões homossexuais jamais podem equiparar-se com as uniões familiares. O bem comum da sociedade requer a desaprovação do seu modo de agir e não lhes sejam atribuídos direitos absolutos.”

1997:D.Edvaldo Amaral, Arcebispo de Maceió: “A união de homossexuais é uma aberração. Um cachorro pode até cheirar o outro do mesmo sexo, mas eles não tem relação. Sem querer ofender os cachorros, acho que isso é uma cachorrada! Esta é a opinião de Deus e da Igreja”

1997: Doze bispos da CNBB enviam representação a todos Parlamentares da Câmara dos Deputados de Brasília, condenando o projeto de Parceria Civil Registrada, considerando-o “deseducativo e lesivo aos valores humanos e cristãos.” Também a TFP - Tradição, Família e Propriedade enviou circular a todos os Deputados de Brasília declarando ter o apoio de 606 sacerdotes e 19 bispos contra o “casamento gay”, condenando o projeto por “escancarar as portas da legislação brasileira para a legitimação do coito pecaminoso, perverso e antinatural que caracteriza as relações homossexuais”

1997: O Chanceler da Cúria Metropolitana de S.Paulo, Cônego Antônio Trivinho e o Vigário Geral da Arquidiocese, D. Antônio Gaspar, negaram o casamento religioso a Carlos José de Sousa e Lurdes Helena Moreira, sob alegação de terem provocado pernicioso escândalo ao se declararem gay e lésbica. Mesmo após terem concluído o curso de noivos e terem pago as taxas da cerimônia, a Cúria proibiu a realização do ato.

1997: D. Eugênio Salles, Cardeal do Rio de Janeiro: “Os homossexuais têm anomalia e a Igreja é contra e será sempre contra o homossexualismo. Se todos os fiéis são obrigados a se posicionarem contra o reconhecimento legal das uniões homossexuais, os políticos católicos têm o dever moral de manifestar clara e publicamente seu desacordo e votar contra”

1998: D. Silvestre, Arcebispo de Vitória, “Homossexualismo é doença”

1998: Dom Amaury Castagno, Bispo de Jundiaí, “O homossexualismo é, simplesmente, uma aberração ética. A conduta homossexual é em si mesma execrável, como também o são o incesto, a pedofilia, o estupro e qualquer tipo de violência... O homossexualismo é antinatural, está mais que evidente que é algo contra a dignidade humana e o plano de Deus"

1998: Dom Eusébio Oscar Sheid, Arcebispo de Florianópolis, “O homossexualismo é uma tragédia. Gays são gente pela metade. Se é que são”

1998: O Padre Luiz Carlos Lodi da Cruz, de Anápolis, Goiás, em manifestação no Congresso Nacional, declarou: “o homossexualismo é um vício contra a natureza e os deputados devem vetar o projeto de Parceria civil de homossexuais”

2000: D. Estêvão Bittencourt, beneditino do Rio de Janeiro: ”O homossexualismo é contra a lei de Deus e contra a natureza humana. Mãe lésbica deveria perder o direito de educar o seu filho. A justiça não deve dar a guarda da criança (Chicão) a uma mãe lésbica (Eugênia, mulher de Cássia Eller).”

2000: D. José Antônio Aparecido Tosi, Arcebispo de Fortaleza; “O homossexualismo é um defeito da natureza humana comparável à cleptomania, ao homicídio e à irascibilidade’’

2000: na festa do mártir São Sebastião, 20 de janeiro, o Grupo Gay da Bahia divulgou documento na mídia proclamando São Sebastião como o patrono dos gays e elegendo o Mosteiro de São Sebastião dos Beneditinos da Bahia como o Santuário Homossexual do Brasil

2001: A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) enviou a todos os 513 deputados federais uma carta advertindo sobre “o perigo das uniões antinaturais”

2001: D. Aloysio Penna, Arcebispo de Botucatu; “Por maior que seja a misericórdia com que a Igreja trata os homossexuais, ela não pode deixar de pregar que os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados”
2001: D. Raymundo Damasceno Assis, Secretário da CNBB: “É um perigo aprovar as uniões antinaturais dos homossexuais”

2001: Padre parapsicólogo Giovanni Rinaldi, de Jacareí, SP, abre clínica para curar homossexuais, afirmando que “o homossexualismo é um desvio de comportamento, e pode ser tratado”
2002: Frei Jacir de Freitas Faria declarou: "a Bíblia condena a homossexualidade por ser ela uma relação de poder. A relação sexual entre homens mostrava a fraqueza de ambos e colocava em risco o poder de domínio exercido por eles"

2002: Padre Jesus Hortal, reitor da PUC/SP declarou: “O filho de Cássia Eller deve ficar com os avós. Com Eugênia, ele teria ambiente familiar incompleto e de moral discutível”.

2002: Padre Jorge Cunial, Superior de Seminário Arquidiocesano de São Paulo: “Em nosso seminário, pessoas homossexuais não entram”.

2003: D. Amaury Castagno, bispo de Jundiaí: “Mais uma vez, os grupos de homossexuais, com destaque para o da Bahia, liderado pelo inconveniente e ativo Luiz Mott, vêm a público defendendo o indefensável, exigindo leis que igualem em direitos os heterossexuais e os homossexuais. Daqui a pouco alguém estará proclamando, também, o direito ao roubo e ao latrocínio, a legalização do adultério e da malandragem”

6. Protestantismo

Nos últimos anos, lideranças de diferentes igrejas evangélicas têm assumido discurso e postura cada vez mais homofóbica, fundando grupos e realizando congressos destinados à “cura” de homossexuais, inclusive contando com o apoio de psicólogos e parlamentares. Pouquíssimos ainda são no Brasil os ministros reformados que ousam defender a dignidade do amor entre iguais.

1914: Pastor Pedro Moura, da Igreja Batista do Garcia, Salvador, após investigação e julgamento por sua congregação, é expulso devido à prática da pederastia

1972: Pastor Márcio Moreira, Igreja Presbiteriana, RJ: “a pressão que a sociedade exerce para que o homossexual mude de comportamento ou se marginalize, apenas agrava o problema”

1982: Pastor Arauna dos Santos, no Congresso Batista da Bahia, declarou: “O homossexualismo se trata de uma distorção da vida sexual normal. Deve ser combatido, quer através de um tratamento psicológico, quer através da assistência espiritual e do aconselhamento”

1986: Ministério entre homossexuais: Comunidade S8 em São Gonçalo, RJ e Desafio Peniel, Belo Horizonte

1994: fundado em São Paulo o Grupo de Amigos (GA), sucursal do GA/RJ, seguindo a mesma filosofia do Exodus dos Estados Unidos: “grupo de apoio e mútua ajuda às pessoas que desejam mudar sua orientação homossexual para heterossexual”

1994: os pastores John Donner e Pepe Hernandez, com apoio do exegeta e pastor presbiteriano Tom Hanks, da Associação Otras Ovejas, visitam 14 países da América Latina, inclusive o Brasil, mantendo contacto com lideranças do MHB

1995: o pastor e psicólogo Ageu H. Lisboa, coordena a SALUS: Rede Cristã de Transformação Integral, com sede em Araçariguama, SP, destinada a atendimento a ex-gays

1995: XII Congresso Vinde para Líderes: Impactando a liderança: Homossexualismo existe! Coordenadores: Carlos Henrique e Ruth Bertilac, Serra Negra, SP

1997: Fundação do MOSES (Movimento pela Sexualidade Sadia), com pastoral de recuperação de homossexuais e panfletagem com mensagens homofóbicas nas paradas gays

1997: Presidente do Partido Progressista Cristão,declarou: "casamento de macho com macho é semente de satanás"

1998: Fundação da filial Exodus Brasil, organização destinada à recuperação de ex-gays, sob a presidência do presbiteriano e agrônomo Affonso Henrique Lima Zuin, da Universidade Federal de Viçosa, MG

1998: III Encontro Cristão sobre Homossexualismo, promovido pela Exodus Brasil. A Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Travestis denunciou o caráter fraudulento deste evento, junto à OAB, Secretaria Nacional de Direitos Humanos e ao Conselho Federal de Psicologia e Medicina, o qual, no ano seguinte, aprovou portaria proibindo aos psicólogos “curar” homossexuais

1998: O cantor Edson Cordeiro revelou ter deixado de ser evangélico aos 16 anos depois de ter sido assediado sexualmente por um pastor protestante

1998: Um auto-intitulado ex-gay, o jornalista João Luiz Santolin, 32, declarou que há 14 anos se converteu ao evangelho e hoje trabalha com o grupo MOSES para curar homossexuais: “Diante de Deus, o homossexualismo é errado. Os gays têm de se arrepender deste pecado. Deus não ama o que fazem”

1999: Em Brasília, deputados católicos e evangélicos ameaçam boicotar a votação do ajuste fiscal do orçamento da União caso o Projeto de Parceria Civil Registrada fosse mantido na pauta.

2000: Antônio Carlos, bispo da Igreja Universal do Reino de Deus de São Paulo, disse: “Deus criou apenas dois sexos, macho e fêmea, o terceiro sexo não existe, é uma maneira do diabo envergonhar a Deus usando a criação dele, que somos nós. Já soube de casos de família, que o marido era homossexual depois de anos de vida em comum. O diabo até consegue camuflar isso entre o casal para mais tarde puxar o tapete e destruir a família inteira. Mas nenhum homossexual é feliz, ainda que ele insista em dizer que sim, porque não está de acordo com a vontade de Deus”

2001: O Canal 24 (CNT-SKY) exibiu o pastor Silas Malafaia, usando gírias e trejeitos pouco apropriados a um religioso, o qual declarou: “Homossexual é uma aberração. Deus fez somente o macho e a fêmea e já foi comprovado pela ciência que ninguém nasce homossexual. Eu como psicólogo sei que é a ausência paterna que propicia esse desvio. Nós evangélicos, temos que nos unir contra esse desvio da natureza...Abram os olhos senhores deputados evangélicos!”

2001: O Conselho Nacional de Pastores do Brasil (CNPB) faz campanha nacional contra a reeleição dos deputados que votam a favor do projeto de lei que institui a união civil entre pessoas do mesmo sexo. O Deputado Severino Cavalcanti (PPB-PE), católico carismático, dedicou-se igualmente a arregimentar apoio contra o projeto que está em tramitação desde 1995. O Cardeal Arcebispo de São Paulo, Dom Cláudio Hummes, declarou não aceitar a proposta da união civil

2005: fundação da Associação Brasileira de Apoio aos que voluntariamente desejam deixar a Homossexualidade, (ABRACEH)

7. Judaísmo

No judaísmo está a genese da homofobia cristã, e diferentemente do que já ocorre sobretudo nos Estados Unidos, onde há sinagogas “gay friendly” e mesmo rabinos gays e rabinas lésbicas, no Brasil o principal líder religioso judeu várias vezes declarou-se contrário à plenitude dos direitos dos homossexuais, refletindo o machismo e homofobia reinante na ideologia de grande parte das famílias de judeus brasileiros.

1998: Rabino Henry Sobel recebeu o troféu Pau de Sebo como inimigo dos homossexuais, por ter duas vezes se declarado contra a parceria entre pessoas do mesmo sexo, por considerar que pode prejudicar a família e a relação entre pais e filhos

2000: A Lista de Judeus Ortodoxos do Brasil repudiou a presença de um judeu homossexual Akiva Bronstein, declarando: “nós homens não temos nada contra os viados, só que não gostamos que eles estejam perto. Ficar divulgando sites na Internet de judeus viados é o mesmo que divulgar noticias anti-semitas”

2002: Rabino Steve Greenberg, o primeiro rabino ortodoxo a assumir sua homossexualidade, a convite do Festival Mix Brasil, esteve presente na exibição do documentário “Temendo a Deus”, de Sandi Dubowski, que retrata o cotidiano de judeus gays. Num debate na Congregação Israelense Paulista, contestou ponto por ponto a condenação à homossexualidade feita pelo Rabino Henry Sobel.
2002: a direção da Encontro Religioso Aldeia Sagrada, realizado no Rio de Janeiro, proibiu a representação de uma versão homossexual da Santa Ceia, com a participação de 12 travestis, organizada pela Igreja Brasileira Livre, de Campo Grande

8. Espiritismo

Não há um consenso entre as lideranças espíritas sobre a origem e como interpretar eticamente a conduta homossexual, oscilando entre a interpretação caridosa do “karma” da homossexualidade e transexualidade, à condenação bíblica.

1982: Chico Xavier: “Observadas as tendências homossexuais dos companheiros reencarnados nessa faixa de prova ou de experiência, é forçoso se lhe dê o amparo educativo adequado, tanto quanto se administra a instrução à maioria heterossexual. Todos os assuntos nesta área da evolução e da vida se especificam na intimidade de cada um”

9. Candomblé

Malgrado a inquestioável presença do homoerotismo e transexualidade na mitologia dos Orixás, e ao grande número de pais e mães de santo notoriamente homoeróticos, reina o “complô do silencio” entre os adeptos das religiões afro-brasileiras, assimilando a mesma homofobia herdada do judeo-cristianismo.

1947: Manuel Bernardino da Paixão, Pai de Santo do Terreiro Bate-Folha, Salvador, homossexual notório

1947: Procópio Xavier de Souza, filho de santo do Terreiro do Ogunjá , Salvador, homossexual notório

1956: Joãozinho da Goméia (BA, 1914- RJ, 1971), o mais famoso Pai de Santo de sua época, homossexual assumido, desfilou travestido de mulher em concurso de carnaval no Rio de Janeiro

1990: Edinho do Gantois, Ogã do Terreiro do Gantois: “O candomblé não condena o homossexual. Tem santos como Oxumaré e Logun-Edé que apresentam de seis em seis meses sexo diferente.”

10. Ativismo contra a homofobia religiosa

Desde sua fundação, o Movimento Homossexual Brasileiro reagiu contra a homofobia religiosa através de manifestações e atos políticos, protestando contra as visitas papais e declarações anti-homossexuais de lideranças católicas e protestantes.

1981: Pichação no muro da Igreja Batista do Garcia, Salvador: “Davi amava Jônatas” e “Respeitem os gays”, em represália às declarações homofóbicas do pastor desta igreja

1984: O Grupo Gay da Bahia inicia campanha “Ao clero brasileiro”, enviando moção aos bispos de todo país requerendo criação de pastoral para homossexuais. Apenas D.Paulo Evaristo Arns, Arcebispo de SP, e mais três bispos acusam recebimento da carta-circular “Violência Crista”

1984: Luiz Mott e Huides Cunha, coordenadores do GGB, fazem palestra sobre “Homossexualidade e Religião” no Encontro de Teólogos Moralistas, em Salvador, onde Frei Antonio Moser, OFM diz que “carícias homoeróticas não constituem pecado, só a cópula anal”

1984: Moção enviada ao Padre Mathon, da Pastoral da Juventude de Salvador, em protesto pela condenação da presença de gays no grupo de jovens católicos

1985: Carta de protesto enviada aos jornais contra D.Eugênio Sales, Cardeal do Rio de Janeiro, por considerar a Aids castigo divino contra os gays

1985: Fundação da Associação Cristã Homossexual do Brasil em Salvador e divulgação do texto “O que todo cristão deve saber sobre homossexualidade”, primeira revisão exegética divulgada no Brasil sobre textos bíblicos relativos à homossexualidade

1986: Panfletagem do texto “A Homossexualidade à luz do Evangelho”, no Colégio Assunção, no Encontro das Religiosas da Bahia e Sergipe, Salvador; os militantes do Grupo Gay da Bahia foram expulsos do recinto, apesar de algumas religiosas estrangeiras acolheram-nos cordialmente

1986: Grupo Gay da Bahia envia carta de apoio a D.Gaillot, Bispo d’ Evreux, aliado à luta contra a homofobia, afastado por João Paulo II de sua diocese devido a entrevista publicada na revista Gai Pied

1992: Manifestação na Praça da Piedade,Salvador, contra a Visita do Papa João Paulo II, queima de sua encíclica onde condenava a homossexualidade

1992: o Patriarca Ornaldo Pereira funda em Rio Verde, Goiás, o Grupo Ipê Rosa por um Triângulo Cristão, publicando o livreto “Homossexualidade e a Bíblia”, posteriormente divulgado pelo Jornal Opção de Goiás
1992: Grupo 28 de Junho, da Baixada Fluminense, sob a liderança de Eugênio Ibiapino, e grupo Atobá, do Rio de Janeiro, realizam enterro simbólico do Cardeal D.Eugenio Sales em frente à cúria arquidiocesana
1994: o ex-seminarista católico Eugênio Ibiapino realiza cerimônia de casamento de Cláudio Nascimento e Adauto Belarmino, membros do Grupo Atobá, na sede do Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência Social do Rio de Janeiro
1993: Celebração do tricentenário da condenação do primeiro sodomita brasileiro a ser sentenciado na Praça da Sé de Salvador, o mameluco Marcos Tavares, fixação da placa de mármore “Inquisição, nunca mais!”

1993: O Conselheiro Nacional de Combate à Discriminação do Ministério da Justiça, Luiz Mott, registrou uma representação no Conselho Federal de Psicologia contra o site da Igreja Batista do Cambuí (www.ibcambui.org.br), em Campinas, pelo artigo “Homossexualismo: doença, perversão ou natural?”, de autoria do pastor Isaltino Coelho Filho; o texto se apropria e utiliza conceitos científicos da psicologia de forma errônea e com a finalidade de justificar a intolerância e a discriminação contra os homossexuais. Dias depois esse texto é retirado do site.

1994: João Paulo II recebe do Grupo Gay da Bahia o troféu Pau de Sebo, como inimigo dos homossexuais

1998: O Identidade, Grupo de Ação pela Cidadania Homossexual de Campinas, SP, entrou com dois processos (criminal e por danos morais) junto ao Ministério Público contra o padre Marcelo Rossi por sua declaração no Fantástico: “o dia em que for provado que o homossexualismo é doença, serão mudados muitos pensamentos.”

2003: Após declaração do Papa contra o casamento gay, o Grupo Gay da Bahia inicia campanha nacional de “apostasia”, estimulando os homossexuais católicos a exigirem sua exclusão do grêmio da Igreja como protesto pela homofobia do Vaticano

2006: Grupo Estruturação LGBT de Brasília faz manifestação na porta da Embaixada do Vaticano contra declarações homofóbicas de Bento XVI

11. Obras simpatizantes

Uma vintena de livros e artigos, entre traduções e obras de autores nacionais, compõe a pequenina bibliografia disponível em português dos principais trabalhos simpáticos à ética homossexual.

1977: Publicação do livro A questão homossexual, do Padre Marc Oraison, Editora Nova Fronteira, RJ

1982: Publicação de A sexualidade humana. Novos rumos do pensamento católico americano. Kosnik, Anthony (Org.), Petrópolis, Vozes

1982: Publicação de Vida e Sexo, de Chico Xavier, Editora da Federação Espírita Brasileira

1985: a partir do início dos anos 80, o ISER, Instituto de Estudos da Religião, com sede no Rio de Janeiro, publica a revista Religião e Sociedade e Comunicações do ISER, promovendo seminários e eventos incluindo a homossexualidade, Aids e o movimento GLTB em sua agenda. Em 1985, num numero especial sobre Aids, publicou "Aids: Reflexões sobre a sodomia", de L.Mott

1985: Publicação de Homossexualidade: Ciência e Consciência, de Marciano Vidal e outros, Edições Loyola, SP

1988: Publicação do artigo “Homossexuais e ética da libertação: uma caminhada”, de Frei Bernardino Leers, OFM, na revista Perspectiva Teológica

1990: Publicação de Compreender o Homossexual, de Raphael Gallagher, Editora Santuário, Aparecida

1992: Publicação do livro A Homofobia tem cura? O Papel das Igrejas na Questão Homoerótica, de Bruce Hilton, Ediouro

1994: Publicação da obra Jesus: A luz da nova era, do Pastor Nehemias Marien, com dois capítulos: “Homossexualismo e moral cristã” e “Homossexualismo Sagrado”, Editora Record

1995: Publicação de Nos bastidores do Reino, do ex-pastor Mario Justino, narrativa de sua amarga experiência com a Igreja Universal do Reino de Deus, revelando suas experiências homoeróticas mantidas com pastores

1996: Publicação de “Padre e Pastores abençoam a união civil homossexual”, Boletim do Grupo Gay da Bahia, n.32

1998: Publicação de O Homossexualismo e Deus: Uma visão imparcial, de Fernando Worm, Editora Lar Irmã Esther, RS

1998: Publicação de Religião e Homossexualidade, Revista Mandrágora Núcleo de Estudos Teológicos da Mulher na América Latina (NETMAL) do Curso de Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo

1999: Publicação do livro Pastoral com homossexuais: retratos de uma experiência, do Padre José Trasferetti, Editora Vozes de Petrópolis

1999: Publicação da revista Estudos Teológicos: Homossexualidade. Escola Superior de Teologia, São Leopoldo, RS

2000: Publicação de Outros Hábitos - A história do amor proibido entre duas freiras, de Anna França, Editora Garamond

2001: Publicação de Desclandestinidade: Um homossexual religioso conta sua história, de Pedro Almeida, Edições GLS

2001: Publicação de O Enigma da Esfinge: A sexualidade, Editora Vozes, Petrópolis

2001: o Patriarca Onaldo Pereira traduz o livro Gathas de Zaratustra, fundando em Goiânia a Comunidade Asha ligada ao zoroastrismo mundial, associada à ABGLT, com forte presença gay na liderança da entidade e comunidades em São Paulo, Rio de Janeiro, , Paraúna, Fortaleza e Tamboril.

2002: Publicação de Uma brecha no armário. Propostas para uma teologia gay. André Sydney Musskopf, São Leopoldo, Escola Superior de Teologia

2002: Publicação de Homossexuais e Ética Cristã, de Bernardino Leers e José Trasferetti, Editora Átomo

12. Obras Homofóbicas

Uma dezena de traduções e livretos de autores nacionais, pastores evangélicos em sua maioria, reforçam a intolerância fundamentalista contra o amor homossexual, martelando no equívoco da “cura” da homossexualidade.

1979: Publicação de O Avesso do Amor, de Pastor Reuel Feitosa, Editora Betânia, Venda Nova, MG

1979: Publicação de Forças Sexuais da Alma, de Jorge Andréa, Editora Seleta, RJ

1986: Revista Ultimato: diversos artigos sobre homossexualismo como torpeza, depravação e pecado, associando a Aids ao castigo contra os gays

1987: Revista Ultimato dedica número à “Questão Gay: Ultimato recebe e corrige texto sobre homossexualismo do Grupo Gay da Bahia”

1989: Publicação de Cura para o Homossexual, de Brick Bradford e outros, Editora Betânia,

1990: Publicação de Homossexualismo: Doença ou Perversão? De Abraão de Almeida, Editora Vida
1990: Publicação de O Islam e o Sexo, de Fathi Yaken, SP

1993: Publicação de A cura do homossexual, de Leanne Payne, tradução de D.Heriberto Hermes, beneditino, bispo de Tocantins

1995: Publicação de O Amor às avessas... Homossexualismo, de J.Cabral, Editora Gráfica Universal do Reino de Deus, RJ

1997: Publicação de A Homossexualidade: Os homossexuais podem realmente mudar? de J.Ankerberger e J.Weldon, Apêndice de Ageu H. Lisboa, Editora Missionária Chamada da Meia Noite, P.Alegre

1998: Publicação de A Operação do Erro: O movimento gay cristão, de Joe Dallas, tradução de Hans Udo Fuchs, Editora Cultura Cristã

2000: Publicação de Pessoas Homossexuais, de Wunibald Muller, Editora Vozes

13. Benevolência e aggiornamento cristão

Malgrado o predomínio da intolerância, alguns poucos iluminados ousaram defender o respeito ao amor homossexual, outros condenando a violência de que são alvo as minorias sexuais.

1657: Padre Gregório Martins, 47 anos, deão da Sé do Porto, que advogou em Pernambuco, é acusado de que “inculcava e doutrinava no abominável pecado nefando, dizendo que só em Roma se podia viver, e que este pecado era muito gostoso e aquele que uma vez o começasse, era impossível a emenda e que não tinha mais circunstância que a fornicação simples e que se era mais inibido, era por impedir a reprodução natural, e nesta matéria falava dissoluta e escandalosamente que este pecado era o mais delicioso aos homens, e isto falava sem pejo”

1689: Padre Antonio Vieira, Provincial da Companhia de Jesus na Bahia, aluga sítio em Santo Amaro de Ipitanga, a um casal de sodomitas notórios, Luiz Delgado, processado por sodomia pela Inquisição de Évora, e Doroteu Antunes, ex-ator transformista

1967: Padre Jayme Snoeck, Teólogo Redentorista de Juiz de Fora, defende: “os homossexuais também são da nossa estirpe”, e em 1982 escreveu no livro Ensaio de Ética Sexual: “A homossexualidade não está sendo mais vista por teólogos europeus de envergadura como patologia, mas como uma variante natural da sexualidade humana. É bem possível que a linguagem erótica entre João e José, que são homossexuais, seja mais comunicativa do que entre Pedro e Maria, que constituem um casal norma. Os homossexuais também são da nossa estirpe”

1967: Frei Chico, dominicano, SP: “O homossexualismo é uma manifestação de amor. O homossexual é uma criatura que ama imensamente seus irmãos e manifesta esse amor à sua maneira. O homossexualismo é a antítese do capitalismo, pois o capitalista odeia seus semelhantes por ser cada um seu concorrente. O Cristo não veio ao mundo para condenar nada e sim para pregar o amor”

1983: Cardeal D. Avelar, Primaz do Brasil declara: “não podemos louvar nem incentivar as minorias homossexuais, mas dado que elas existem, não se pode nem se deve fazer violência contra os homossexuais: devemos ajudá-los e nunca violentá-los”

1987: Pastor Onaldo Pereira, da Comunidade Pacifista Cristã (Thunker), celebra em Salvador casamento de três casais homossexuais, incluindo Marcelo Cerqueira e Luiz Mott

1995: Padre José Trasferetti inaugura pastoral para comunidade de homossexuais e travestis na Paróquia de São Geraldo, recebendo neste ano o Troféu Triangulo Rosa do GGB

1995: O jornalista inglês Francis Mcdonagh, de Olinda, PE, correspondente dos jornais católicos Tablet de Londres e National Catholic Repórter, membro do Gay Christian Movement, UK, publica artigo onde aponta D.Lucas Moreira Neves como “martelo dos gays e negros do Brasil”

1996: Realização do Seminário Religião e Homossexualidade no Núcleo de Estudos Teológicos da Mulher na América Latina (NETMAL) do Curso de Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo e do Instituto Ecumênico de Pós-graduação em Ciências da Religião

1996: a teóloga Jeannine Gramick, SSND, se solidariza com o MHB em carta enviada ao presidente do Grupo Gay da Bahia

1997: D. Glauco Soares de Lima, Bispo Primaz, e mais sete bispos da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, recebem o troféu Triângulo Rosa do GGB, por recomendarem "o diálogo, o bom senso e a preocupação pastoral em relação aos homossexuais"

1997: Pastor Robson Cavalcanti, fundador do Movimento Evangélico Progressista, de Recife, defende o projeto de parceria civil entre pessoas do mesmo sexo : “todas pessoas que pagama impostos, constroem uma sociedade e t}em direito a uma vida não discriminada.”

1998: Dom Mauro Morelli, bispo da Igreja Católica na Baixada Fluminense, foi testemunha e denunciou na imprensa a execução sumária de uma travesti. Bem na frente de seu carro, um homem atravessa calmamente a rua, saca uma pistola e a descarrega em dois travestis parados diante de um hotel na beira da estrada

2003: Cardeal Geraldo Majella Agnelo, presidente da CNBB, recebeu o Troféu Triângulo Rosa por sua declaração: "É legítima a reivindicação dos homossexuais de viver na sociedade sendo respeitados em suas diferenças, sem discriminações ou perseguições que os oprimam."

2006: Associação Brasileira de Antropologia aprova moção em protesto ao Vaticano por sua posição condenatória da homoconjugalidade e homoparentalidade

14. Igrejas pró-homo

Desde o início da década de 80, e particularmente nos últimos anos, diversos pastores, sobretudo da Igreja da Comunidade Metropolitana, depois seguidos por outras denominações, fundam no Brasil suas igrejas, oferecendo pastoral dirigida a “outras ovelhas”

1980: Pastor Mojica, da Igreja da Comunidade Metropolitana, visita o Brasil para fundar uma filial da ICM

198?: Padre Carlos Bulcão funda em Curitiba a Comunidade Fratriarcal, mudando-se depois para Salvador, publicando o boletim O Grito, (Natal, 1994), mantendo contacto com a Comunidade Pequenos Servos.

1991: Reverenda Isabel Pires de Amorin, da Igreja da Comunidade Metropolitana, ICM, diplomata brasileira, radicada nos EUA, ordenada pastora na ICM em Los Angeles, vem a Brasília para trabalhar junto ao Ministério de Relações exteriores, em Brasília e começa a organizar um Grupo de Direitos LGBT, que dá origem ao Superação, de Brasília e um Grupo da ICM

1992: Fundada em João Pessoa, PB, a Comunidade dos Pequenos Servos caracterizada “pela oração pessoal e comunitária, pela ação pastoral priorizando a causa da emancipação homossexual e livre orientação sexual”, publicando o boletim Tsedek até 1998

1996: Reverendo Roberto Gonzales, da ICM de Buenos Aires, vem ao Rio de Janeiro, a convite de Raymundo Pereira, que conhecera a ICM nos EUA, para tentar organizar um Grupo da ICM no Rio de Janeiro

1997: na Universidade São Paulo, por iniciativa do CAHEUSP, são promovidas palestras Pe. José Transferetti e do pastor Nehemias Marien sobre Homossexualidade/fé cristã, dando origem ao Ministério Outras Ovelhas

1997: Irmão Paulo Bonorino da Santa Face, de Canoas, RS, que desde a década de 70 teve dezenas de cartas e artigos publicados na imprensa nacional defendendo os direitos dos homossexuais, funda a Igreja Heterodoxa Brasileira, incluindo os homossexuais entre as populações a ser atendidas pela entidade

1998: Comunidade Cristã Gay, de São Paulo, inspirada pelo líder gay Elias Lilikan, mestrando da USP, oferece culto ecumênico para homossexuais, sendo ordenados Victor Orellana, 26 anos e Luiz Fernando, 27, os primeiros pastores afirmativamente homossexuais do Brasil, cerimônia presidida pelo pastor Neemias Marien, da Igreja Presbiteriana Bethesda, de Copacabana, RJ

2000: Em São Paulo inicia-se um Grupo da ICM, com o Rev Luiz Fernando Garupe, a ICM Emaús

2003: São nomeados novos pastores para organizar igrejas da ICM no Rio de Janeiro e Porto Alegre

2003: “sou pastor e sou gay”, declarou o Pastor Victor Orellana, 31 anos, chileno, vivendo há 27 anos em São Paulo numa família metodista, fundador da Igreja Acalanto

2004: Visita do fundador da ICM ao Brasil, o Rev Troy Pery

2005: Inaugurada a ICM de Niterói, sob o ministério do Pastor Gelson Piber (a quem agradecemos as informações sobre ICM no Brasil)

2005: Fundada em Brasilia a Harpazo – Movimento Cristão pela Diversidade, reunindo gays e lésbicas que se sentem excluídos de igrejas cristã, sob a presidencia da advogada Aline Dias 35

2005: Carta Aberta de Cristãos GLTB do Cone Sul, reunidos em São Leopoldo: “Deus está vivo, presente e libertando por meio do seu Espírito a pessoas Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais e a todas suas famílias. Somos testemunhos dele através dos ministérios inclusivos da diversidade sexual, que se desenvolvem em nossos países, e nas diferentes tradições cristãs das que participamos: Grupo de Celebração Ecumênica Inclusiva/ASPA - São Leopoldo, Brasil; Harpazo - Movimento Cristão pela Diversidade - Brasília/DF, Brasil; CEBI - Centro de Estudos Bíblicos - Pernambuco, Brasil; Integridade Brasil; Igreja Cristã Acalanto - São Paulo, Brasil; Igreja da Comunidade Metropolitana de Niterói (ICM) - Rio de Janeiro, Brasil; Igreja da Comunidade Metropolitana do Rio de Janeiro (ICM) - Brasil; Igreja da Comunidade Metropolitana do Centro (ICM) - Buenos Aires, Argentina; Fundação Outras Ovelhas da Argentina pela não Discriminação; Igreja Cristã Missionária de Buenos Aires, Argentina; Cristãos Evangélicos Gays, Lésbicas Argentinos (CEGLA); Comunidade Cristã Ecumênica Gay, Lésbica (CEGAL) - Santiago, Chile; Otras Ovelhas - América Latina; Lutherans Concerned - North América; Diaconía Cristiana em la Diversidad - ICM Uruguai - Montevideo, Uruguai.

2006: as reverendas Darlene Garner, 56, e Nancy Wilson, 55, bispa regional para o Brasil e moderadora mundial da Fraternidade Universal das Igrejas da Comunidade Metropolitana (ICM), participam em Porto Alegre, RS, da Assembléia do Conselho Mundial das Igrejas

2006: A Bispa da ICM para a América Latina encerra as atividades da ICM do Rio de Janeiro, destituindo o pastor

2006: É instalada a ICM de Brasília, de Teresina, de São Paulo e uma nova ICM no Rio de Janeiro e iniciam-se Grupos em Salvador, São Luiz e Fortaleza

2006: O pastor Patrick Thiago, da Igreja Comunidade Cristã (ICM), de Brasília, celebrou em Goiânia o casamento de duas lésbicas, Ana Paula Silva, 25, e Katiane Freire da Silva, 23

À guisa de conclusão

A leitura destes quase duzentos fatos e momentos, do século XVI à atualidade, que marcam a posição, primeiramente da Igreja Católica, em seguida das demais denominações religiosas, face à questão homossexual no Brasil, permitem avançar algumas conclusões:

1] Apesar da intolerância homofóbica capitaneada pela Igreja Católica através da Santa Inquisição (1536-1821), a teologia moral da época condenou notadamente os praticantes escandalosos da cópula anal (sodomia perfeita), transferindo às justiças do Rei e do Bispo, graças ao casuísmo da teologia moral da época, a perseguição a outras manifestações homoeróticas (molície, travestismo)

2] Mesmo numa época em que o homoerotismo era equiparado e tratado legalmente com o mesmo rigor dos crimes de traição nacional e ao regicídio, apesar do rigor dos Regimentos Inquisitoriais, sempre houve por parte das autoridades religiosas e civis certa indiferença aos fanchonos e sodomitas, prendendo e processando apenas os mais escandalosos e incorrigíveis, 14 do Brasil, nenhum chegando à pena máxima da fogueira

3] Malgrado o risco de ser identificado como réu do abominável crime de sodomia, alguns amantes do mesmo sexo ousaram desafiar as justiças civil e religiosa, ostentando estilo de vida identificado com a subcultura gay da época, chegando inclusive a um incipiente discurso afirmativo e identitário

4] Também no mundo luso-brasileiro, a homossexualidade floresceu infrene no meio religioso, merecendo com justeza também entre nós o epíteto medieval de “vício dos clérigos”, chegando até à atualidade e refletindo-se no elevado numero de padres homossexuais vítimas da Aids, de crimes homofóbicos e envolvidos com pedofilia

5] A partir dos meados do século XIX, o discurso médico apropria-se da categorização e tentativa de cura dos “pederastas”, substituindo o antigo protagonismo da Igreja Católica na repressão dos sodomitas, produzindo discurso higienista seguindo o modismo europeu

6] Chama a atenção o mutismo da Teologia Moral em língua portuguesa na reflexão sobre a questão homossexual – praticamente inexistente para o período colonial e imperial, somente vindo a lume as primeiras publicações teológicas a partir dos meados anos 70 – traduções em sua maioria, seguidas de trabalhos de síntese de teólogos do Brasil, a maior parte manifestando certa tolerância à homofilia

7] Com o surgimento do Movimento Homossexual Brasileiro, notadamente a partir dos primeiros anos da década de 80, surgem ações e escritos em defesa dos direitos religiosos e reivindicando pastorais para homossexuais, denunciando a homofobia da hierarquia católica e reformada

8] A reação das principais lideranças católicas e das igrejas fundamentalistas inicia-se no Brasil ainda nos finais dos anos 70, quer com tradução de obras anti-homossexuais, com a importação de grupos de apoio a “ex-gays”e nos últimos anos, com a pressão junto à instância governamental boicotando a concessão da cidadania plena à comunidade GLTB

9] Como forma mais orgânica e eficiente de enfrentar essa agressiva e inconstitucional intolerância fundamentalista, fundam-se também em algumas capitais do Brasil, a partir dos anos 90, quase uma dezena de igrejas destinadas à comunidade homossexual, com pastores simpatizantes ou abertamente gays

10] O balanço geral destes quatro séculos de enfrentamento das Igrejas face à questão homossexual é preocupante, pois embora a Inquisição tivesse poder para condenar à morte, não executou nenhum sodomita do Brasil, enquanto hodiernamente, há mais de 180 anos de extinção do Santo Ofício, todos os anos, mais de cem homossexuais são barbaramente assassinados, vítimas de crimes homofóbicos, crimes que têm sua inspiração e legitimação no discurso anti-homossexual dos Católicos e sobretudo dos Evangélicos. Urge que a intolerância fundamentalista anti-GLTB seja desconstruída, que mais e mais homossexuais religiosos pressionem suas igrejas para acatar caridosamente os “filhos da dissidência”, e que as igrejas GLTB expandam sua atuação pois “a messe é grande e poucos são os operários... e os inimigos nos espreitam como lobos vorazes...”
¹ Comunicação apresentada no II Congresso Internacional sobre Epistemologia, Sexualidade e Violência, São Leopoldo, RS, Escola Superior de Teologia, 16-16/8/2006, no prelo.

² Artigos e bibliografia podem ser consultados em www.luizmott.cjb.net e http://bibliohomo.marccelus.com/

ENTRE A FÉ E O DESEJO.

Uma reflexão sobre religião e homossexualidade no Brasil ¹

Tiago Duque²

Religião e homossexualidade são temas comumente vistos como polêmicos. Ainda que estejam diretamente relacionados com inúmeras práticas cotidianas, raramente refletimos criticamente a respeito deles sem cairmos em posturas simplistas ou autoritárias. Segundo o psicanalista e teólogo Rubem Alves, basta falar de Deus para que as pessoas parem de pensar e se ponham a repetir fórmulas aprendidas. “Diante do nome Deus sua inteligência fica intimidada e pára de pensar. Mas eu não posso respeitar um Deus que não sobrevive ao exercício de pensar. Um Deus que não sobrevive ao exercício da inteligência, não pode ser Deus. Só pode ser um ídolo de areia”. Neste sentido, vamos refletir sobre algumas das religiões mais populares no Brasil e sua postura diante da homossexualidade.

“Não existe religião alguma que seja falsa. Todas elas respondem, de formas diferentes, a condições dadas da existência humana” (Émile Durkheim). Podemos afirmar o mesmo a respeito da sexualidade e a sua diversidade; mesmo vivendo em uma sociedade que escolheu por missão nos ensinar e nos fazer acreditar que a heterossexualidade é a única e verdadeira, a mais natural e até mesmo a exclusiva maneira “santificada” de nos relacionar afetiva e sexualmente.

Hoje, em nosso país, vivemos um quadro de pluralismo religioso onde os que crêem podem ter várias possibilidades de adesão a múltiplas práticas religiosas, inclusive a mais de uma ao mesmo tempo. É evidente que o número de fiéis, a capacidade de organização, os investimentos financeiros e as representações políticas colocam essas religiões em diferentes instâncias de poder e influencia social. Por isso, exige-se uma constante defesa da laicidade do Estado, que no final do século 19 deixou de ter uma religião oficial, mas que até nossos dias sofre a influência da moral cristã em seus espaços de poder (legislativo, executivo e judiciário).

Um exemplo da influência da religião no Estado surge no embate político para as aprovações de legislações que garantem direitos civis a pessoas homossexuais ou mesmo às mulheres, é o caso da lei de união civil entre pessoas do mesmo sexo (PL nº 1.151/95), a de criminalização da homofobia (PL nº 122/2006) e a que legaliza o aborto (PL nº 1135/91).

Neste ambiente de pluralismo religioso e disputas de poder, a lógica de muitas religiões tem sido historicamente a de estigmatizar outras para manter ou conquistar legitimidade social. Isto ocorre em nosso país desde a colonização, quando a Igreja Católica travou um embate frente a forma como os indígenas e os escravos se relacionavam com o sagrado.

A desqualificação, criminalização, marginalização e demonização dos espaços específicos dos cultos afro-brasileiros, seja do Candomblé ou da Umbanda, foi (e ainda é) praticada por parte de muitos cristãos. Essa condição de estigmatização foi apontada no livro Para inglês ver, de Peter Fry, como sendo uma das causas possíveis de identificação dos homossexuais com estas práticas religiosas já no início do séc. XIX, principalmente dos efeminados, visto que estes também eram desqualificados, criminalizados, marginalizados e demonizados pela sua sexualidade tida como abjeta.

Como vimos, não é de hoje a relação de acolhida dessas religiões afro-brasileiras com as pessoas homossexuais; mesmo porque, além da estigmatização comum, segundo Antônio Flávio Pierucci, professor do Departamento de Sociologia da USP, nesse tipo de religião não há espaço para a negação deste mundo presente, para a idéia de salvação da corrupção do pecado. Elas são desprovidas de interesse em punir ou corrigir os seres humanos. A crença é na pluralidade dos deuses e na interferência concreta do sobrenatural no mundo a partir da mediação de forças sagradas e potências divinas, que no Candomblé são chamados de orixás. Inclusive além de Orixás masculinos (Exu, Ogum, Oxossi) e femininos (Obá, Oxum, Iemanjá), existem orixás andróginos (Oxalufã ou Obatalá, Oximarê) e os que vivem a masculinidade e a feminilidade em plena harmonia (Logum Edé), oferecendo assim uma relação flexível entre o sagrado e a clássica forma binária do que é ser masculino ou feminino.

Ser masculino ou feminino à luz da expectativa social diz muito a respeito do que é cobrado de um homem e de uma mulher em nossa sociedade. Ainda relacionamos as imagens das pessoas homossexuais com comportamentos de gêneros tidos como contrários aos do seu sexo biológico. Há um modelo restrito e bastante limitado que devemos seguir a partir da classificação sexual imposta a nós desde antes do nascimento, quando “descobrem nosso sexo”. Normalmente as religiões adotam este modelo pronto e olha para os homossexuais como aquelas pessoas que negaram a sua natureza de gênero, seu sexo biológico, a sua missão no mundo, a vontade de Deus e que, por diferentes motivos, “optaram” pelo contrário, pelo não-natural, pelo desumano, isto é, pelo demoníaco.

A inteligibilidade da masculinidade e feminilidade nas religiões varia significativamente. O Espiritismo Kardecista, por exemplo, principalmente o representado pela obra de Chico Xavier, tem uma teoria altamente elaborada com referência à homossexualidade a partir do entendimento de masculinidade e feminilidade. Segundo a leitura de Peter Fry, “os espíritos passam, em suas várias encarnações, através de vários corpos de ambos os sexos e são responsáveis pela bissexualidade essencial de todas as criaturas. A homossexualidade resulta da passagem de um espírito do corpo masculino para o feminino e vice-versa. Essas reencarnações transexuais fazem parte de um processo através do qual a raça humana um dia encontrará a perfeição”.

O posicionamento religioso espírita facilita, para aqueles praticantes dispostos a não valorizar a homossexualidade, uma visão classificatória das pessoas homossexuais em um estágio inferior aos das pessoas heterossexuais, mesmo que considere esta etapa não definitiva e estas pessoas merecedoras de atitudes amorosas.

A reflexão religiosa da inferiorização dos homossexuais perpassa muitas religiões. Ultimamente ela está presente de forma crítica na maior parte das abordagens que se faz do Islamismo.

O desafio maior de qualquer olhar ocidental sobre o Islã é a superação da visão do Oriente como um outro menos humano do que nós. As imagens que desumanizam o Oriente nos chegam, principalmente, pela mídia, através de uma multidão de pessoas aparentemente perdidas em conflitos civis e religiosos, que nos dão a falsa sensação de alto-destruição e "não-civilização".

No Brasil, no site da comunidade Islâmica lê-se: “Os muçulmanos seguem uma religião de paz, misericórdia, perdão, e a maioria nada tem a ver com os eventos extremamente graves que vieram a se juntar à sua fé”. Mesmo assim, sabemos que a homossexualidade é vista pelos islâmicos como motivo de punição. As punições variam de prisões, castigos físicos e até morte em público de acordo com as leis de cada país onde o islamismo é predominante.

Outro exemplo de religião que originou no oriente e que tem sido vivenciada em nosso país é a Sheico-no-ie (criada no Japão, em 1930, por Masaharu Taniguchi). Em um dos seus livros sagrados, um anjo orienta um querubim: “Conhecei bem a Imagem Verdadeira do homem: o homem é Espírito, é Vida, é Imortalidade. Deus é a Fonte Luminosa do homem e o homem é Luz emanada de Deus. Não existe fonte luminosa sem luz, nem existe luz sem fonte luminosa.” (Sutra Sagrada – Chuva de Néctar da Verdade).

Na Sheico-no-ie não há uma discussão oficial e institucionalizada que oriente os ensinamentos sobre a homossexualidade. Ela tem sido interpretada, na maioria das situações, como uma “ilusão da mente”, isto é, como não correspondente à Imagem Verdadeira do Homem, à Luz emanada de Deus.

Há, porém, expressões religiosas como o Budismo onde é perfeitamente possível afirmar que a prática da homossexualidade não é critério, assim como a da heterossexualidade, de julgamento moral.

Segundo Jostein Gaarder, em O livro das Religiões, no Budismo o que define uma ação como boa, má ou neutra é principalmente a intenção que a motivou. Cada ação deixaria uma marca gravada em nossa mente muito sutil e cada marca dará origem a seu próprio efeito. Caso este efeito se torne uma ação intencional, é chamado de carma. O tipo de vida que o indivíduo vai renascer dependeria de ações em vidas anteriores e a “salvação” consistiria em ser libertado do “circulo vicioso dos renascimentos”. Assim, a “salvação” budista não é pautada pela prática da sexualidade em si, mas pelas moções que as justificam.

Sob a lógica da salvação, muito se fez nestas terras de Santa Cruz que justificasse as violências contra as pessoas homossexuais. Segundo o antropólogo Luiz Mott, há registros de condenações a homossexuais datadas em 1591, impostas pelos visitantes do Santo Ofício em nosso país. Nos dias atuais a doutrina oficial da Igreja Católica trocou a prática da fogueira por um discurso homofóbico travestido de tolerância. Ela reconhece as relações homossexuais como atos intrinsecamente desordenados (Declaração Sobre Alguns Pontos de Ética Sexual, da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, 1976), mas orienta a não discriminação das pessoas não heterossexuais, destinando a elas como única opção moral possível a castidade e o celibato. Isto é, a abstinência sexual para toda a vida.

A Igreja Católica, em relação a heterossexualidade, também não deixa de ser pouco opressora e discriminadora. Segundo a Igreja de Roma, todo ato genital entre homem e mulher deve restringir-se ao contexto do matrimônio, sob a justificativa da procriação. Assim, o desafio está na compreensão daquilo que foi apontado pelo padre José Trasferetti e pelo frei Bernardino Leers no livro “Homossexuais e Ética Cristã”: “A libertação dos homossexuais e a libertação dos heterossexuais são processos sócio-políticos de conversão e extraversão que não se separam. (...) Em boa parte o problema moral dos homossexuais é o problema moral dos heterossexuais e suas atitudes negativas e culpabilizantes”.

Perceber-se sexualmente oprimido pelo cristianismo, sendo heterossexual, passa necessariamente por uma crítica à falsa noção de que toda mulher que se casa só é plena em sua experiência se for mãe, ou que, enquanto homem, é por excelência de sua responsabilidade, a proteção de sua família. Além disso, para o casal heterossexual não há nada mais opressivo do que o dever e a obrigação de se casar sem ter tido relação sexual alguma, e depois de firmado o sacramento com ninguém mais além do cônjuge, "até que a morte os separem”. A ordem religiosa “Não desejarás” que recai sobre as pessoas homossexuais, também pesa sobre os heterossexuais. Porém, faz parte do processo de enfraquecimento visibilizar mais a dor dos não heterossexuais, vitimizando-os. No entanto, não há como medir a intensidade dessas opressões religiosas nessa ou naquela orientação sexual, porque esta violência não aparece nas estatísticas. Mas, esta violência está intrinsecamente ligada a uma outra, que aponta o Brasil como sendo um dos países onde mais se mata por orientação sexual ou identidade de gênero.

Segundo Leers e Trasferetti, a práxis popular está, às vezes, em razão inversa à severidade das proibições e sanções eclesiásticas e civis. O próprio Catecismo da Igreja Católica aponta uma saída que muitos fiéis têm tomado como caminho de uma possível libertação da opressão religiosa institucionalizada: “O Homem tem o direito de agir com consciência e liberdade a fim de tomar pessoalmente as decisões morais. O homem não pode ser forçado a agir contra a própria consciência. Mas também não há de ser impedido de proceder segundo a consciência, sobretudo em matéria religiosa”.

A noção de consciência no catolicismo citada acima nos faz entender que, antes de qualquer lei moral escrita em Roma, a consciência pessoal deve ter prioridade na tomada de decisões. “A consciência é o núcleo mais secreto e o sacrário do homem, no qual se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na intimidade do seu ser”, diz o parágrafo 16 da Constituição Dogmática Gaudium et Spes

Além do cristianismo católico, outras expressões da fé cristã (protestantes, pentecostais tradicionais e neopentecostais) não reconhecem a homossexualidade como um valor positivo. No entanto, sabe-se que a vida comunitária muitas vezes é composta por pessoas homossexuais, em sua maioria presas em um ostracismo, sendo raros os casos de homossexuais cristãos vivendo publicamente os seus desejos.

As Igrejas protestantes, como Metodista, Batista, Luterana, Presbiteriana, também seguem o modelo cristão tradicional de família e sexualidade, tendo portando alertados seus fiéis sobre os perigos da homossexualidade. Por isso, alguns de seus crentes homossexuais resolveram abandonar suas comunidades e criar suas igrejas próprias. É o caso da Igreja da Comunidade Metropolitana.

As igrejas pentecostais tradicionais tais como, Congregação Cristã no Brasil, Assembléia de Deus, Deus é amor, reforçam o valor da conversão para os homossexuais, que convertidos, são aceitos e respeitados na maioria das comunidades. A cura sexual é legitimada e comprovada quando esses “ex-homossexuais” casam e têm filhos, garantindo assim a comprovação do quanto se tornaram abençoados por Deus. Quando não há cura, uma pseudo-aceitação pode ocorrer considerando que na perspectivas desses evangélicos as pessoas homossexuais não são responsáveis por sua fraqueza de espírito e merecem atenção e oração para que vençam a sua limitação diante do espírito do mal.

A atenção destinada às pessoas homossexuais por parte destas igrejas, entre outras coisas, passa por um projeto político heterossexista. Por exemplo, deputados com forte influência de igrejas pentecostais tradicionais já propuseram na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro um projeto de lei (PL 717/03) para voltar a reconhecer a homossexualidade como patologia e garantir assim o tratamento terapêutico voluntário às pessoas não heterossexuais. Esta ação ilustra a afirmação de Mahatma Gandhi: "Aqueles que dizem que religião nada tem a ver com política não sabem o que a religião significa".

Contudo, nada se compara no Brasil a visibilidade do enfrentamento que as igrejas neopentecostais têm mantido contra a homossexualidade - ou, para ser mais fiel a este tipo de discurso religioso, contra o “homossexualismo”. Igreja Universal do Reino de Deus, Renascer em Cristo, Igreja Internacional da Graça de Deus, e a Comunidade Sara Nossa Terra são exemplos disso. Os pentecostalismos dessas igrejas têm feito suas investidas homofóbicas não somente nos espaços sagrados dos cultos, mas também em rede nacional através de emissoras de TV.

Alguns autores classificam ainda um terceiro grupo de igrejas a partir de valores tidos como cristãos, mesmo não se originando da reforma protestante. Fazem parte deste grupo a Igreja de Jesus Cristo dos Santos do Último Dia(Mórmons), Adventista do Sétimo Dia e Testemunhas de Jeová. Essas igrejas reconhecem a homossexualidade como uma prática merecedora de condenação religiosa.

Em relação às Testemunhas de Jeová, por exemplo, existe inclusive um grupo de discussão virtual que reúnem homossexuais ex-praticantes desta doutrina. “Não é do objetivo do grupo levantar nenhuma discussão sobre o que se aprendeu lá dentro, se é certo ou errado, mas antes, dar uma força pra quem ainda tem algum tipo de culpa por ser gay e levantar a moral daqueles que sofrem com a exclusão e com os que têm medo dessa mesma exclusão” (http://xjwbrazil.tripod.com/). O fundamento para estas posturas tidas como cristãs diante da sexualidade está em interpretações bíblicas históricas, que muito se relacionam com os interesses de quem as interpretou e ainda as interpretam. No caso dos judeus, por exemplo, permanece uma leitura dos textos sagrados, equivalente ao Antigo Testamento dos cristãos, bastante clara em relação à união afetivo-sexual: o casamento entre um homem e uma mulher é o modo de vida ideal, instituído por Deus, e é o único tipo de coabitação permitida.

Mesmo o Judaísmo tendo essa interpretação oficial da bíblia sobre o que é “ideal” para as pessoas, existem algumas sinagogas em nosso país em que têm forte demonstrações de tolerância com homossexuais. Tolerância também tem sido a prática da Igreja Anglicana e, em muitas situações, o acolhimento e a aceitabilidade às pessoas homossexuais tem sido uma realidade legitimada pela comunidade. Segundo o teólogo anglicano Jaci Correia Maraschin, a “compreensividade” tem sido um valor para esta Igreja que quer incluir na experiência tradicional cristã a abertura para o novo.

Há também no Brasil comunidades de homossexuais que resolveram na esperar pela aceitação institucional, mas estão se organizando sem deixar de praticar publicamente a sua fé ou abandonar suas religiões. Estas comunidades são bastante discretas e ainda sem grande visibilidade, mas podem ser encontradas pela internet. Dois exemplos são os sites dos Católicos e dos Judeus não heterossexuais: www.diversidadecatolica.com.br e www.jgbr.com.br.

Podemos pensar que a relação entre religião e homossexualidade não parece nos oferecer caminhos institucionais de transformação da hierarquização sexual que estamos habituados a conhecer. Refiro-me aquilo que Gayle Rubin classificou como “sexualidade boa” dos eleitos (heterossexual, conjugal, monogâmica, inter-geração, reprodutiva e não comercial) em oposição à “sexualidade má” dos marginalizados (homossexual, fora do casamento, promíscua, entre gerações, que não visa à reprodução ou é comercial).

As religiões com maior número de fiéis e mais representadas em locais de poder da estrutura social condenam a homossexualidade, sendo que uma ou outra menos representativa simplesmente não a considera relevante no seu discurso ético, moral e religioso.

Em uma sociedade de desigualdade, calar-se normalmente é contribuir com aquele que é o hegemônico. Neste sentido, em sociedades tidas por muitos como pós-modernas, ainda vivemos sob fortes valores religiosos ancestrais. Não que a história e o que aprendemos com o tempo não têm importância, mas, justamente pelo contrário, é preciso questionar a forma de classificação do que é “bom” e do que é “mal” em nossa sexualidade, e, principalmente, questionar o porquê é dada a uns a oportunidade de classificar (inferiorizar) os outros.

Michel Foucault já nos apontou os perigos ilimitados que o sexo traz consigo, e que justificam o caráter exaustivo da inquisição a que é submetido; sabendo disso, precisamos pensar sobre os verdadeiros perigos que uma “sexualidade má” oferece a nossa forma de organização social e valorização pessoal. A preocupação com as práticas e desejos afetivos sexuais importa mais a Deus, ao sobrenatural, ou as pessoas que organizaram e organizam nossas instituições religiosas? Quem é mais beneficiado com a forma heteronormativa de organizar nossas relações sociais e práticas espiritualizadas de nos “re-ligar” com o divino?

A opressão religiosa que os homossexuais têm sofrido no Brasil, além de muita oração, sacrifícios e magias, também pode diminuir se soubermos reconhecer o nosso papel social na estrutura de valores desiguais em que vivemos. Agir pela transformação destas desigualdades sem perder a confessionalidade da fé parece ser o maior desafio das pessoas homossexuais que resistem em suas práticas religiosas.

¹ Publicado no primeiro bimestre de 2008, na Revista JÚNIOR, Ano 01, Número 03.

² Formado em Ciências Religiosas e Ciências Sociais pela PUC Campinas.
Mestrando em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). www.tiagoduque.com