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quinta-feira, 30 de setembro de 2010


o bicho alfabeto
tem vinte e três patas
ou quase

por onde ele passa
nascem palavras
e frases

com frases
se fazem asas
palavras
o vento leve

o bicho alfabeto
passa
fica o que não se escreve



Paulo Leminski

Matéria não existe, tudo é energia

O título deste artigo diz uma obviedade para quem entendeu minimamente a teoria da relatividade de Einstein pela qual se afirma ser matéria e energia equivalentes. Matéria é energia altamente condensada que pode ser liberada como o mostrou, lamentavelmente, a bomba atômica. O caminho da ciência percorreu, mais ou menos, o seguinte percurso: da matéria chegou ao átomo, do átomo, às partículas subatômicas, das partículas subatômicas, aos "pacotes de onda" energética, dos pacotes de onda, às supercordas vibratórias, em 11 dimensões ou mais, representadas como música e cor. Assim um elétron vibra mais ou menos quinhentos trilhões de vezes por segundo. Vibração produz som e cor. O universo seria, pois, uma sinfonia de sons e cores. Das supercordas chegou-se, por fim, à energia de fundo, ao vácuo quântico.

Neste contexto, sempre lembro uma frase dita por W. Heisenberg, um dos pais da mecânica quântica, num semestre que deu na Universidade de Munique em 1968, que me foi dado seguir e que ainda me soa aos ouvidos: "O universo não é feito por coisas, mas por redes de energia vibracional, emergindo de algo ainda mais profundo e sutil". Portanto, a matéria perdeu seu foco central em favor da energia que se organiza em campos e redes.

Que é esse "algo mais profundo e sutil" de onde tudo emerge? Os físicos quânticos e astrofísicos chamaram de "energia de fundo" ou "vácuo quântico", expressão inadequada porque diz o contrário do que a palavra "vazio" significa. O vácuo representa a plenitude de todas as possíveis energias e suas eventuais densificações nos seres. Dai se preferir hoje a expressão pregnant void "o vácuo prenhe" ou a"fonte originária de todo o ser" Não é algo que possa ser representado nas categorias convencionais de espaço-tempo, pois é algo anterior a tudo o que existe, anterior ao espaço-tempo e às quatro energias fundamentais, a gravitacional, a eletromagnética, a nuclear fraca e forte.

Astrofísicos imaginam-no como uma espécie de vasto oceano, sem margens, ilimitado, inefável, indescritível e misterioso no qual, como num útero infinito, estão hospedadas todas as possibilidades e virtualidades de ser. De lá emergiu, sem que possamos saber porquê e como, aquele pontozinho extremamente prenhe de energia, inimaginavelmente quente que depois explodiu (big bang) dando origem ao nosso universo. Nada impede que daquela energia de fundo tenham surgido outros pontos, gestando também outras singularidades e outros universos paralelos ou em outra dimensão.

Com o surgimento do universo, irrompeu simultaneamente o espaço-tempo. O tempo é o movimento da flutuação das energias e da expansão da matéria. O espaço não é o vazio estático dentro do qual tudo acontece, mas aquele processo continuamente aberto que permite as redes de energia e os seres se manifestarem. A estabilidade da matéria pressupõe a presença de uma poderosíssima energia subjacente que a mantém neste estado. Na verdade, nós percebemos a matéria como algo sólido porque as vibrações da energia são tão rápidas que não alcançamos percebê-las com os sentidos corporais. Mas para isso nos ajuda a física quântica, exatamente porque se ocupa das partículas e das redes de energia, que nos rasgam esta visão diferente da realidade.

A energia é e está em tudo. Sem energia nada poderia subsistir. Como seres conscientes e espirituais, somos uma realização complexíssima, sutil e extremamente interativa de energia.

Que é essa energia de fundo que se manifesta sob tantas formas? Não há nenhuma teoria científica que a defina. De mais a mais, precisamos da energia para definir a energia. Não há como escapar desta redundância, notada já por Max Planck.

Esta Energia talvez constitua a melhor metáfora daquilo que significa Deus, cujos nomes variam, mas que sinalizam sempre a mesma Energia subjacente. Já o Tao Te Ching (§ 4) dizia o mesmo do Tao: "o Tao é um vazio em turbilhão, sempre em ação e inexaurível. É um abismo insondável, origem de todas as coisas e unifica o mundo".

A singularidade do ser humano é poder entrar em contacto consciente com esta Energia. Ele pode invocá-la, acolhê-la e percebê-la na forma de vida, de irradiação e de entusiasmo.

[Leonardo Boff com Mark Hathaway é autor de The Tao of Liberation. N.York(2010)].

terça-feira, 28 de setembro de 2010

RENOLD BLANK - O ser humano é uma unidade A BÍBLIA APRESENTA UM MODELO NÃO DUALISTA DO HOMEM

O pensamento bíblico sempre foi de que o ser humano é uma unidade que jamais poderia ser dividida em dois princípios, chamados corpo e alma.
A partir do momento em que esta antropologia bíblica entra em contato com a cultura grega, constatamos um esforço específico de autores bíblicos para defender a sua concepção global do homem, contra o modelo dualista do helenismo.

Vê-se, em certos textos da “Sabedoria”, um dos exemplos típicos deste esforço:
“De fato, o destino do homem e o do animal são idênticos: do modo que morrem estes, morrem também aqueles. Uns e outros têm o mesmo sopro vital, sem que o homem tenha vantagem nenhuma sobre o animal, porque tudo é fugaz. Uns e outros vão para o mesmo lugar: vêm do pó e voltam para o pó” (Ecl 3, 19-20).

A intenção do autor bíblico não é negar uma vida depois da morte. O que ele quer é rejeitar de maneira clara a idéia da filosofia grega, conforme a qual a sobrevivência do ser humano, depois da morte, seria garantida pela própria natureza humana e sua alma imortal. Em vez disso, o Coélet insiste no fato de que o homem, por sua própria natureza, não pode contar com imortalidade. A vida dele após a morte só pode ser garantida porque Deus, que é um Deus da vida, não quer que este homem fique na morte.

Este exemplo, formulado numa época (séc. I a.C.) em que a teologia de Israel estava sob forte pressão de uma helenização forçacada, mostra a distância fundamental entre a concepção antropológica da bíblia e o modelo dualista da filosofia grega.

Uma distância que continua no Novo Testamento. A antropologia que nele encontramos, das origens até o modelo mais elaborado em Paulo, mostra sempre o mesmo fato:
Para a Bíblia, o ser humano é uma unidade que não pode ser dividida em dois princípios, chamados corpo e alma. Consequentemente também não é possível que, na morte, uma alma se separa do corpo.
Só mais ou menos a partir dos anos 70 do século XX foi que, dentro da teologia católica, aconteceu uma conscientização e também uma discussão cada vez mais acentuada sobre este fato.

(Diante do mesmo desafio se encontra hoje também a liturgia, que, por sua vez, deve superar uma antropologia dualista: cf. Valeriano dos Santos Costa, “A corporeidade na liturgia”, em Revista de Cultura Teológica, 25 (IV) 1998, PP.19s: “... temos que enfrentar duas realidades que não respondem mais à busca atual da compreensão do corpo: o dualismo axiológico grego... e o dualismo metodológico moderno (que separa corpo e espírito como duas realidades subsistentes em si mesmas)"

Mencionamos, em termos de exemplos, dois textos recentes, nos quais se resume de maneira clara a posição de hoje:
“Uma concepção antropológica habitual no Ocidente reduz o ser humano a um compósito binário de dois elementos: o corpo e a alma. Esta antropologia cartesiana, que está muito longe da concepção bíblica do homem... é muito insuficiente para explicar certos fenômenos, situados na fronteira da alma e do corpo. (Jean Vernette, La reíncarnation, p.80).”

Ernest Haag, formula a mesma idéia, no seu artigo: “Alma e imortalidade, a partir do enfoque bíblico”:
“O Antigo e o Novo Testamento concordam totalmente na concepção do que Deus criou o homem como uma unidade psicofísica. Nesta unidade, que é a sua essência. Deus o destinou para uma existência incorruptível... Em nenhum caso, no testemunho dos textos bíblicos a noção “alma” significa um ser puramente espiritual que, em si mesmo, independentemente do corpo, já possuí a imortalidade ou a incorruptibilidade. A noção de “alma” é, para o Antigo e para o Novo Testamento, a designação para o ser humano, que é marcado de maneira global pela sua natureza espiritual e que, por causa disso, é aberto para Deus...” (Ernest Haag. “ Seele und Unsterblichkeit in biblischer Sicht”, in VV.AA., Seele, problembergriff christlicher Eschatologie, pp.92-93).

A partir de tal posição e, no decorrer de muitas discussões, chegou-se, na Teologia, a nova compreensão daquilo que acontece com o ser humano na morte. A base desta nova concepção foi a conscientização crescente de que a alma, de fato, não pode ser compreendida em termos de uma substância separada do corpo.

Ela, pelo contrário, deve ser compreendida como princípio integrativo do ser humano, de tal maneira que nunca ela pode ser separada do corpo, em oposição ao que o dualismo grego ou cartesiano formularam.
(BLANK, Renold. Escatologia da Pessoa. São Paulo, Paulus, 2000, PP.80-82)

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Salmo jovem

Como criança perdida no meio da multidão
Eu perguntei por meu deus e o mundo não respondeu
E o mundo não respondeu
E o mundo não respondeu

Derão milhões de respostas para o que eu não perguntei
Eu perguntei foi por deus e o mundo não respondeu
E o mundo não respondeu
E o mundo não respondeu

Eu sou apenas um homem que busca respostas do céu
E no processo do ser sinto em mim o chamado de deus
E no processo do ser sinto em mim o chamado de deus

Como criança perdida a perguntar por seu pai
Eu gritei tanto por deus e oe o mundo não respondeu
E o mundo não respondeu
E o mundo não respondeu

Deram-me tantos brinquedos pra me ajudar a esquecer
E eu só queria saber e o mundo sem responder
E o mundo sem responder
E o mundo sem responder

Eu sou apenas um homem que busca respostas do céu
E no processo do ser sinto em mim o chamado de deus
E no processo do ser sinto em mim o chamado de deus

Fui perguntando nas ruas o que fizerão de deus
E eles gritavam perguntas com medo de responder
Com medo de responder
Com medo de responder

Hoje um sorriso em minh'alma molha o meu rosto de paz
Eu sou pergunta e resposta meu deus não mente jamais
Meu deus não mente jamais
Meu deus não mente jamais

Eu sou apenas um homem que busca respostas do céu
E no processo do ser sinto em mim o chamado de deus
E no processo do ser sinto em mim o chamado de deus