DECLARAÇÃO DE VOTO Frei Betto
Voto este ano, para presidente da República, no candidato decidido a implementar reformas estruturais tão prometidas e jamais efetivadas: agrária, tributária, política, judiciária. E que a previdenciária e a trabalhista não sejam um engodo para penalizar ainda mais os trabalhadores e aposentados e beneficiar grandes empresas.Voto em quem se dispõe a revolucionar a saúde e a educação. É uma vergonha o sucateamento do SUS e do ensino público. De 190 milhões de brasileiros, apenas 30 milhões se agarram esperançosamente na boia de salvação dos planos privados de saúde. Os demais são tratados como cidadãos de segunda classe, abnegados penitentes de filas hospitalares, obrigados a adquirir remédios onerados por uma carga tributária de 39% em média.Segundo o MEC, há 4,1 milhões de brasileiros, entre 4 e 17 anos de idade, fora da escola. Portanto, virtualmente dentro do crime. Nossos professores são mal remunerados, a inclusão digital dos alunos é um penoso caminho a ser percorrido, o turno curricular de 4 horas diárias é o verniz que encobre a nação de semianalfabetos.Voto no candidato disposto ao controle rigoroso de emissão de gás carbônico das indústrias, dos pastos e das áreas de preservação ambiental, como a Amazônia. Não se pode permitir que o agronegócio derrube a floresta, contamine os rios e utilize mão de obra desprotegida da legislação trabalhista ou em regime de escravidão.Voto em quem se comprometer a superar o caráter compensatório do Bolsa Família e resgatar o emancipatório do Fome Zero, abrindo a porta de saída para as famílias que sobrevivem à custa do governo, de modo que possam gerar a própria renda.Voto no candidato disposto a mudar a atual política econômica que, em 2008, canalizou R$ 282 bilhões para amortizar dívidas interna e externa e apenas R$ 44,5 bilhões para a saúde. Em termos percentuais, foram 30% do orçamento destinados ao mercado financeiro e apenas 5% para a saúde, 3% à educação, 12% a toda a área social.Voto no candidato contrário à autonomia do Banco Central, pois a economia não é uma instância divorciada da política e do social. Voto pela redução dos juros, a desoneração da cesta básica e dos medicamentos, o aumento real do salário mínimo, a redução da jornada semanal de trabalho para 40 horas.Voto na legalização e preservação das áreas indígenas, de quilombolas e ribeirinhos, no diálogo permanente com os movimentos sociais e repúdio a qualquer tentativa de criminalizá-los, nas iniciativas de economia solidária e comércio justo, na definição constitucional do limite máximo de propriedade rural.Voto no candidato convicto de que urge reduzir as tarifas de energia destinada ao consumo familiar e de uso de telefonia móvel. Disposto a valorizar fontes alternativas de energia, como a solar, a eólica, a dos mares e lixões etc. E que seja contrário à construção de termoelétricas e hidrelétricas nocivas ao meio ambiente.Voto no candidato que priorize o transporte coletivo de qualidade, com preços acessíveis subsidiados; exija a identificação visível dos alimentos transgênicos oferecidos ao consumidor; impeça a participação e uso de crianças em peças publicitárias; e condene veementemente o trabalho infantil.Voto no candidato decidido a instalar a Comissão da Verdade, de modo a abrir os arquivos das Forças Armadas concernentes ao período ditatorial e apurar os crimes cometidos em nome do Estado, bem como o paradeiro dos desaparecidos. Voto em quem dê continuidade à atual política externa, de fortalecimento da soberania e independência do Brasil, diversificação de suas relações comerciais, apoio a todas as formas de integração latino-americana e caribenha sem a presença dos EUA; direito de o nosso país ter assento no Conselho de Segurança da ONU; de repúdio ao criminoso bloqueio dos EUA a Cuba e à instalação de bases militares estadunidenses na América Latina. Voto, sobretudo, em quem apresentar um programa convincente de redução significativa da maior chaga do Brasil: a desigualdade social.Este o meu voto.
Resta achar o candidato.
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quarta-feira, 28 de julho de 2010
sexta-feira, 16 de julho de 2010
Saturno
Viver é se arriscar
Revanche
Não tenho medo de sofrer
Eu não me importo em chorar
Tudo que eu quero é viver
Um sonho lindo
Com tanta gente nesse mundo
Alguém será meu bem querer
Porque não vou envelhecer
Triste e sozinho
Se a dor marcou seu coração
Outro amor vai te curar
Sai da solidão
Tem medo não
De novamente se entregar
Se caiu levanta desse chão
Viver é se arriscar
Quando ele chegar
Os sinos vão tocar
Os pés vão flutuar
A boca vai secar
A terra há de tremer
Os pássaros cantar o amor
Pode vir do mar
Da terra ou do ar
Das asas do avião
Da mesa de um bar
Promessas de verão
Nos beijos de um beija-flor
(Léo Maia)
quinta-feira, 1 de julho de 2010
PASSEIO SOCRÁTICO
Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos dependurados em telefones celulares; mostravam-se preocupados, ansiosos e, na lanchonete, comiam mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, muitos demonstravam um apetite voraz. Aquilo me fez refletir: Qual dos dois modelos produz felicidade? O dos monges ou o dos executivos?
Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: “Não foi à aula?” Ela respondeu: “Não; minha aula é à tarde”. Comemorei: “Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir um pouco mais”. “Não”, ela retrucou, “tenho tanta coisa de manhã...” “Que tanta coisa?”, indaguei. “Aulas de inglês, balé, pintura, piscina”, e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: “Que pena, a Daniela não disse: ‘Tenho aula de meditação!’”
A sociedade na qual vivemos constrói super-homens e supermulheres, totalmente equipados, mas muitos são emocionalmente infantilizados. Por isso as empresas consideram que, agora, mais importante que o QI (Quociente Intelectual), é a IE (Inteligência Emocional). Não adianta ser um superexecutivo se não se consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação!
Uma próspera cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: “Como estava o defunto?”. “Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!” Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?
Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais…
A cultura começa onde a natureza termina. Cultura é o refinamento do espírito. Televisão, no Brasil - com raras e honrosas exceções -, é um problema: a cada semana que passa, temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra hoje é ‘entretenimento’; domingo, então, é o dia nacional da imbecilidade coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: “Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!” O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.
Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Colocá-los onde? Eu, que não sou da área, posso me dar o direito de apresentar uma sugestão. Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. Porque, para fora, ele não tem aonde ir! O grande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globocolonizador, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.
Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...
Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer de uma cadeia transnacional de sanduíches saturados de gordura…
Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: “Estou apenas fazendo um passeio socrático.” Diante de seus olhares espantados, explico: “Sócrates, filósofo grego, que morreu no ano 399 antes de Cristo, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: “Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz.”
Frei Betto é escritor, autor do romance “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.
Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: “Não foi à aula?” Ela respondeu: “Não; minha aula é à tarde”. Comemorei: “Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir um pouco mais”. “Não”, ela retrucou, “tenho tanta coisa de manhã...” “Que tanta coisa?”, indaguei. “Aulas de inglês, balé, pintura, piscina”, e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: “Que pena, a Daniela não disse: ‘Tenho aula de meditação!’”
A sociedade na qual vivemos constrói super-homens e supermulheres, totalmente equipados, mas muitos são emocionalmente infantilizados. Por isso as empresas consideram que, agora, mais importante que o QI (Quociente Intelectual), é a IE (Inteligência Emocional). Não adianta ser um superexecutivo se não se consegue se relacionar com as pessoas. Ora, como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação!
Uma próspera cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: “Como estava o defunto?”. “Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!” Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?
Outrora, falava-se em realidade: análise da realidade, inserir-se na realidade, conhecer a realidade. Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Pode-se fazer sexo virtual pela internet: não se pega aids, não há envolvimento emocional, controla-se no mouse. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual, entramos na virtualidade de todos os valores, não há compromisso com o real! É muito grave esse processo de abstração da linguagem, de sentimentos: somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. Enquanto isso, a realidade vai por outro lado, pois somos também eticamente virtuais…
A cultura começa onde a natureza termina. Cultura é o refinamento do espírito. Televisão, no Brasil - com raras e honrosas exceções -, é um problema: a cada semana que passa, temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos. A palavra hoje é ‘entretenimento’; domingo, então, é o dia nacional da imbecilidade coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: “Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!” O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.
Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes. Colocá-los onde? Eu, que não sou da área, posso me dar o direito de apresentar uma sugestão. Acho que só há uma saída: virar o desejo para dentro. Porque, para fora, ele não tem aonde ir! O grande desafio é virar o desejo para dentro, gostar de si mesmo, começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globocolonizador, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.
Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral, deve procurar saber a história daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingos. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...
Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer de uma cadeia transnacional de sanduíches saturados de gordura…
Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: “Estou apenas fazendo um passeio socrático.” Diante de seus olhares espantados, explico: “Sócrates, filósofo grego, que morreu no ano 399 antes de Cristo, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia: “Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz.”
Frei Betto é escritor, autor do romance “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.
"Se não vos converterdes, todos perecereis"
Disse Jesus nos evangelhos:"Se não vos converterdes, todos vós perecereis". Quis dizer: "Se não mudardes de modo de ver e de agir, todos vós perecereis". Nunca estas palavras me pareceram tão verdadeiras como quando assisti a Crônica de Copenhague, um documentário da TV francesa e passada num canal fechado no Brasil e, suponho, no mundo inteiro. Na COP-15 em Copenhague em dezembro último, se reuniram os representantes das 192 nações para decidir a redução das taxas de gases de efeito estufa, produtores do aquecimento global.
Todos foram para lá com a vontade de fazer alguma coisa. Mas as negociações depois de uma semana de debates acirradíssimos chegaram a um ponto morto e nada se decidiu. Quais as causas deste impasse que provocou decepção e raiva no mundo inteiro?
Creio que antes de mais nada não havia suficiente consciência coletiva das ameaças que pesam sobre o sistema-Terra e sobre o destino da vida. É como se os negociadores fossem informados de que um tal de Titanic estaria afundando sem se dar conta de que se tratava do navio sobre o qual estavam, a Terra.
Em segundo lugar, o foco não estava claro: impedir que o termômetro da Terra suba para mais de dois graus Celsius, porque então conheceremos a tribulação da desolação climática. Para evitar tal tragédia, urge reduzir a emissão de gases de efeito estufa com estratégias de adaptação, mitigação, concessão de tecnologias aos países mais vulneráveis e financiamentos vultosos para alavancar tais medidas. A preocupação agora não é garantir a continuidade do status quo mas dar centralidade ao sistema Terra, à vida em geral e à vida humana em particular.
Em terceiro lugar, faltou a visão coletiva. Muitos negociadores disseram claramente: estamos aqui para representar os interesses de nosso país. Errado. O que está em jogo são os interesses coletivos e planetários e não de cada pais. isso de defender os interesses do país é próprio dos negociadores da Organização Mundial do Comércio, que se regem pela concorrência e não pela cooperação. Predominando a mentalidade de negócios funciona a seguinte lógica, denunciada por muitos bem intencionados, em Copenhague: não há confiança pois todos desconfiam de todos; todos jogam na defensiva; não colocam as cartas sobre a mesa por temerem a crítica e a rejeição; todos se reservam o direito de decidir só no último momento como num jogo de pôquer. Os grandes jogadores se omitiram: a China observava, os EUA calavam, a União Européia ficou isolada e os africanos, as grandes vítimas, sequer foram tomados em consideração. O Brasil no fim mostrou coragem com as palavras denunciatórias do Presidente Lula.
Por último, o fracasso de Copenhague - bem o disse Lord Stern lá presente - se deveu à falta de vontade de vivermos juntos e de pensarmos coletivamente. Ora, tais coisas são heresias para espírito capitalista afundado em seu individualismo. Este não está nada interessado em viver juntos, pois a sociedade para ele não passa de um conjunto de indivíduos, disputando furiosamente a maior fatia do bolo chamado Terra.
Jesus tinha razão: se não nos convertermos, vale dizer, se não mudarmos este tipo de pensamento e de prática, na linha da cooperação universal jamais chegaremos a um consenso salvador. E assim iremos ao encontro dos dois graus Celsius de aquecimento com as suas dramáticas consequências.
A valente negociadora francesa Laurence Tubiana no balanço final disse resignadamente:"os peixes grandes sempre comem os menores e os cínicos sempre ganham a partida, pois essa é a lógica da história". Esse derrotismo não podemos aceitar. O ser humano é resiliente, isto é, pode aprender de seu erros e, na urgência, pode mudar. Fico com o paciente chefe dos negociadores Michael Cutajar que no final de um fracasso disse: "amanhã faremos melhor".
Desta vez a única alternativa salvadora é pensarmos juntos, agirmos juntos, sonharmos juntos e cultivarmos a esperança juntos, confiando que a solidariedade ainda será o que foi no passado: a força secreta de nossa melhor humanidade.
Leonardo Boff é autor de Convivência, Tolerância e Respeito, Editora Vozes (2007).
Todos foram para lá com a vontade de fazer alguma coisa. Mas as negociações depois de uma semana de debates acirradíssimos chegaram a um ponto morto e nada se decidiu. Quais as causas deste impasse que provocou decepção e raiva no mundo inteiro?
Creio que antes de mais nada não havia suficiente consciência coletiva das ameaças que pesam sobre o sistema-Terra e sobre o destino da vida. É como se os negociadores fossem informados de que um tal de Titanic estaria afundando sem se dar conta de que se tratava do navio sobre o qual estavam, a Terra.
Em segundo lugar, o foco não estava claro: impedir que o termômetro da Terra suba para mais de dois graus Celsius, porque então conheceremos a tribulação da desolação climática. Para evitar tal tragédia, urge reduzir a emissão de gases de efeito estufa com estratégias de adaptação, mitigação, concessão de tecnologias aos países mais vulneráveis e financiamentos vultosos para alavancar tais medidas. A preocupação agora não é garantir a continuidade do status quo mas dar centralidade ao sistema Terra, à vida em geral e à vida humana em particular.
Em terceiro lugar, faltou a visão coletiva. Muitos negociadores disseram claramente: estamos aqui para representar os interesses de nosso país. Errado. O que está em jogo são os interesses coletivos e planetários e não de cada pais. isso de defender os interesses do país é próprio dos negociadores da Organização Mundial do Comércio, que se regem pela concorrência e não pela cooperação. Predominando a mentalidade de negócios funciona a seguinte lógica, denunciada por muitos bem intencionados, em Copenhague: não há confiança pois todos desconfiam de todos; todos jogam na defensiva; não colocam as cartas sobre a mesa por temerem a crítica e a rejeição; todos se reservam o direito de decidir só no último momento como num jogo de pôquer. Os grandes jogadores se omitiram: a China observava, os EUA calavam, a União Européia ficou isolada e os africanos, as grandes vítimas, sequer foram tomados em consideração. O Brasil no fim mostrou coragem com as palavras denunciatórias do Presidente Lula.
Por último, o fracasso de Copenhague - bem o disse Lord Stern lá presente - se deveu à falta de vontade de vivermos juntos e de pensarmos coletivamente. Ora, tais coisas são heresias para espírito capitalista afundado em seu individualismo. Este não está nada interessado em viver juntos, pois a sociedade para ele não passa de um conjunto de indivíduos, disputando furiosamente a maior fatia do bolo chamado Terra.
Jesus tinha razão: se não nos convertermos, vale dizer, se não mudarmos este tipo de pensamento e de prática, na linha da cooperação universal jamais chegaremos a um consenso salvador. E assim iremos ao encontro dos dois graus Celsius de aquecimento com as suas dramáticas consequências.
A valente negociadora francesa Laurence Tubiana no balanço final disse resignadamente:"os peixes grandes sempre comem os menores e os cínicos sempre ganham a partida, pois essa é a lógica da história". Esse derrotismo não podemos aceitar. O ser humano é resiliente, isto é, pode aprender de seu erros e, na urgência, pode mudar. Fico com o paciente chefe dos negociadores Michael Cutajar que no final de um fracasso disse: "amanhã faremos melhor".
Desta vez a única alternativa salvadora é pensarmos juntos, agirmos juntos, sonharmos juntos e cultivarmos a esperança juntos, confiando que a solidariedade ainda será o que foi no passado: a força secreta de nossa melhor humanidade.
Leonardo Boff é autor de Convivência, Tolerância e Respeito, Editora Vozes (2007).
Pessimismo capitalista e Darwinismo social
Que fazer quando uma crise como a nossa se transforma em sistêmica, atingindo todas as áreas e mostra mais traços destrutivos que construtivos? É notório que o modelo social montado já nos primórdios da modernidade, assentado na magnificação do eu e em sua conquista do mundo em vista da acumulação privada de riqueza não pode mais ser levado avante. Apenas os deslumbrados do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo Lula, acreditam ainda neste projeto que é a racionalização do irracional. Hoje percebemos claramente que não podemos crescer indefinidamente porque a Terra não suporta mais nem há demanda suficiente. Este modelo não deu certo, pelas perversidades sociais e ambientais que produziu. Por isso, é intolerável que nos seja imposto como a única forma de produzir como ainda querem os membros do G-20 e do PAC.
A situação emerge mais grave ainda quando este sistema vem apontado como o principal causador da crise ambiental generalizada, culminando com o aquecimento global. A perpetuação deste paradigma de produção e de consumo pode, no limite, comprometer o futuro da biosfera e a existência da espécie humana sobre o planeta.
Como mudar de rumo? É tarefa complexíssima. Mas devemos começar. Antes de tudo, com a mudança de nosso olhar sobre a realidade, olhar este subjacente à atual sociedade de marcado: o pessimismo capitalista e o darwinismo social.
O pessimismo capitalista foi bem expresso pelo pai fundador da economia moderna Adam Smith (1723-1790), professor de ética em Glasgow. Observando a sociedade, dizia que ela é um conjunto de indivíduos egoistas, cada qual procurando para si o melhor. Pessimista, acreditava que esse dado é tão arraigado que não pode ser mudado. Só nos resta moderá-lo. A forma é criar o mercado no qual todos competem com seus produtos, equilibrando assim os impulsos egoistas.
O outro dado é o darwinismo social raso. Assume-se a tese de Darwin, hoje vastamente questionada, de que no processo da evolução das espécies sobrevive apenas o mais forte e o mais apto a adaptar-se. Por exemplo, no mercado, se diz, os fracos serão sempre engolidos pelos mais fortes. É bom que assim seja, dizem, senão a fluidez das trocas fica prejudicada.
Há que se entender corretamente a teoria de Smith. Ele não a tirou das nuvens. Viu-a na prática selvagem do capitalismo inglês nascente. O que ele fez, foi traduzi-la teoricamente no seu famoso livro: "Uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações"(1776) e assim justificá-la. Havia, na época, um processo perverso de acumulação individual e de exploração desumana da mão de obra.
Hoje não é diferente. Repito os dados já conhecidos: os três pessoas mais ricas do mundo possuem ativos superiores à toda riqueza de 48 países mais pobres onde vivem 600 milhões de pessoas; 257 pessoas sozinhas acumulam mais riqueza que 2,8 bilhões de pessoas o que equivale a 45% da humanidade; o resultado é que mais de um bilhão passa fome e 2,5 bilhões vivem abaixo da linha da pobreza; no Brasil 5 mil famílias possuem 46% da riqueza nacional. Que dizem esses dados se não expressar um aterrador egoismo? Smith, preocupado com esta barbárie e como professor de ética, acreditava que o mercado, qual mão invisível, poderia controlar os egoismos e garantir o bem estar de todos. Pura ilusão, sempre desmentida pelos fatos.
Smith falhou porque foi reducionista: ficou só no egoismo. Este existe mas pode ser limitado, por aquilo que ele omitiu: a cooperação, essencial ao ser humano. Este é fruto da cooperação de seu pais e comparece como um nó-de-relações sociais. Somente sobrevive dentro de relações de reciprocidade que limitam o egoismo. É verdade que egoismo e altruismo convivem. Mas se o altruismo não prevalecer, surgem perversões como se nota nas sociedades modernas assentadas na inflação do "eu" e no enfraquecimento da cooperação. Esse egoismo coletivo faz todos serem inimigos uns dos outros.
Mudar de rumo? Sim, na direção do "nós", da cooperação de todos com todos e na solidariedade universal e não do "eu" que exclui. Se tivermos altruismo e compaixão não deixaremos que os fracos sejam vítimas da seleção natural. Interferiremos cuidando-os, criando-lhes condições para que vivam e continuem entre nós. Pois cada um é mais que um produtor e um consumidor. É único no universo, portador de uma mensagem a ser ouvida e é membro da grande família humana.
Isso não é uma questão apenas de política, mas de ética humanitária, feita de solidariedade e de compaixão.
Leonardo Boff é autor de Princípio compaixão e cuidado, Vozes (2007).
A situação emerge mais grave ainda quando este sistema vem apontado como o principal causador da crise ambiental generalizada, culminando com o aquecimento global. A perpetuação deste paradigma de produção e de consumo pode, no limite, comprometer o futuro da biosfera e a existência da espécie humana sobre o planeta.
Como mudar de rumo? É tarefa complexíssima. Mas devemos começar. Antes de tudo, com a mudança de nosso olhar sobre a realidade, olhar este subjacente à atual sociedade de marcado: o pessimismo capitalista e o darwinismo social.
O pessimismo capitalista foi bem expresso pelo pai fundador da economia moderna Adam Smith (1723-1790), professor de ética em Glasgow. Observando a sociedade, dizia que ela é um conjunto de indivíduos egoistas, cada qual procurando para si o melhor. Pessimista, acreditava que esse dado é tão arraigado que não pode ser mudado. Só nos resta moderá-lo. A forma é criar o mercado no qual todos competem com seus produtos, equilibrando assim os impulsos egoistas.
O outro dado é o darwinismo social raso. Assume-se a tese de Darwin, hoje vastamente questionada, de que no processo da evolução das espécies sobrevive apenas o mais forte e o mais apto a adaptar-se. Por exemplo, no mercado, se diz, os fracos serão sempre engolidos pelos mais fortes. É bom que assim seja, dizem, senão a fluidez das trocas fica prejudicada.
Há que se entender corretamente a teoria de Smith. Ele não a tirou das nuvens. Viu-a na prática selvagem do capitalismo inglês nascente. O que ele fez, foi traduzi-la teoricamente no seu famoso livro: "Uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações"(1776) e assim justificá-la. Havia, na época, um processo perverso de acumulação individual e de exploração desumana da mão de obra.
Hoje não é diferente. Repito os dados já conhecidos: os três pessoas mais ricas do mundo possuem ativos superiores à toda riqueza de 48 países mais pobres onde vivem 600 milhões de pessoas; 257 pessoas sozinhas acumulam mais riqueza que 2,8 bilhões de pessoas o que equivale a 45% da humanidade; o resultado é que mais de um bilhão passa fome e 2,5 bilhões vivem abaixo da linha da pobreza; no Brasil 5 mil famílias possuem 46% da riqueza nacional. Que dizem esses dados se não expressar um aterrador egoismo? Smith, preocupado com esta barbárie e como professor de ética, acreditava que o mercado, qual mão invisível, poderia controlar os egoismos e garantir o bem estar de todos. Pura ilusão, sempre desmentida pelos fatos.
Smith falhou porque foi reducionista: ficou só no egoismo. Este existe mas pode ser limitado, por aquilo que ele omitiu: a cooperação, essencial ao ser humano. Este é fruto da cooperação de seu pais e comparece como um nó-de-relações sociais. Somente sobrevive dentro de relações de reciprocidade que limitam o egoismo. É verdade que egoismo e altruismo convivem. Mas se o altruismo não prevalecer, surgem perversões como se nota nas sociedades modernas assentadas na inflação do "eu" e no enfraquecimento da cooperação. Esse egoismo coletivo faz todos serem inimigos uns dos outros.
Mudar de rumo? Sim, na direção do "nós", da cooperação de todos com todos e na solidariedade universal e não do "eu" que exclui. Se tivermos altruismo e compaixão não deixaremos que os fracos sejam vítimas da seleção natural. Interferiremos cuidando-os, criando-lhes condições para que vivam e continuem entre nós. Pois cada um é mais que um produtor e um consumidor. É único no universo, portador de uma mensagem a ser ouvida e é membro da grande família humana.
Isso não é uma questão apenas de política, mas de ética humanitária, feita de solidariedade e de compaixão.
Leonardo Boff é autor de Princípio compaixão e cuidado, Vozes (2007).
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